O HEROI DO NOSSO TEMPO - LIERMONTOV

Para quem ama livros, há uma alegria enorme em encontrar uma obra bem escrita. Romances russos do século XIX são como sinfonias da mesma época, o ápice de uma arte. Não há como explicar o porque de uma nação tão atrasada e isolada como a Russia de 1840, começar a produzir a melhor prosa de seu tempo. Seria como se hoje o Paquistão fosse o país a desovar os melhores livros de 2023. Ou a Venezuela. ------------------ Talvez, e eu apenas dou uma opinião de palpiteiro, a mistura de nobreza milionária, povo escravo ainda como se fosse da idade média, contatos tímidos com o ocidente, fé religiosa extremada, anarquismo revolucionário, orientalismo, e a certeza messiânica de que a Russia seria o país central do planeta, tudo isso misturado nos deu essa coisa incomparável que chamamos de "romance russo". Eu sou anglófilo, voces sabem, mas o romance inglês tem sempre um limite, aquele da razão. São elegantes, não mergulham jamais no misticismo absurdo, na paixão fanática. Já os franceses até hoje sofrem de um cartesianismo ditatorial. Por mais moderno que sejam, constroem sempre uma lógica interna. Tudo faz sentido. São claros. Nos russos não. Mergulham na febre da paixão, não temem o ridículo, vão fundo no misticismo, na dor e na alegria mais bêbada, nunca param de afundar se podem afundar. Neles há culpa e pecado, amor e vaidade, violência e horror, como em nenhum outro. E beleza, enlouquecida beleza. ---------------- O autor desta novela foi um grande e famoso poeta, ficando atrás apenas do central Pushkin. Morto em duelo antes dos 30 anos, sua veia de prosador ficou restrita, jamais saberemos onde seu talento o levaria. Aqui temos uma narrativa maravilhosa. Na primeira parte o narrador conhece um militar nobre e rico que se casa com uma bela moça dos confins da Russia. Depois o livro muda de narrador e conhecemos o diário do tal militar nobre e rico. Ficamos sabendo que antes desse casamento ele amara uma mulher casada e fora amado por ingênua mocinha herdeira. E destruíra a ambas. Amoral ao extremo, esse personagem rouba o grande amor de seu melhor amigo, e depois ainda mata-o em duelo. Isso sem perceber o mal que pratica. O que vemos é um homem que se percebe sempre como fosse um tipo de Byron, um poeta sofredor e mal compreendido, um maldito que sofre a dor de ser diferente. Mas na verdade, por seus atos, ele é apenas um homem terrivelmente egoísta, vaidoso e sem qualquer pudor. O que o autor nos dá é soberbo, pois vemos toda a complexidade de uma alma em apenas 140 páginas!!!! Ironia e crítica ao romantismo escritos por um romântico!!!! O livro diverte e encanta, seduz e exaspera, o heroi é mau e é admirável. --------------------- O heroi é o típico ser de 2023. Um egocêntrico que se vê como original e sensível. Um solitário que finge desprezar os outros. Um ser que mente a si mesmo..... Pense nisso. -------------------- Escrito de modo realista, sentimos a lama das estradas, o frio das noites, o odor dos lugares. Entramos na Russia rural de então. Que grande romance!