A ALEGRIA DA VIDA
Somente uma sociedade que ainda crê na alegria produz um cara como Herb Alpert. Caso voce não saiba, entre 1964-1968 ele colocava seus discos no primeiro lugar, batendo Beatles, Elvis, Sinatra, Motown, Bee Gees e Stones. Seu segredo? O dom de produzir POP na margem, se colocando exatamente na confluência de Burt Bacharach-jazz-soul-easy listening. Tenho memórias felizes desse tempo. Apesar de ter apenas 6, 7 anos de idade, tudo que recordo de feliz tem trilha de Herb Alpert. Aqui no Brasil tentam fazer crer que o período 68-71 foi um horror, para 99.99% da população foi feliz demais. Nunca antes, nunca depois, a economia cresceu tão depressa e nas ruas o que via era um bando de gente descobrindo o prazer de consumir. Era a entrada no século XX, com 70 anos de atraso. No meu bairro, Caxingui, na época um fim de mundo, entre 1970-71, se instalou esgoto, luz nas ruas, asfalto, um supermercado, e surgiu uma quantidade incrível de gente com novos Fuscas na garagem. Tudo isso era um salto imenso. E a música que dava clima para as camisas rosas do meu pai e as minissaias xadrez da minha mãe, era feita por Herb Alpert. ------------------- Se era assim neste fim de mundo, imagine como era o espírito nos USA e Europa. Sim, jovens saíram às ruas contra o Vietnã, sim, Negros lutavam contra o racismo, mas observe seus rostos. Saudáveis. Nas ruas cheios de fé. Certos de um mundo melhor. Cheios de planos. Jovens, mas também adultos. Em 1968 estamos plantando toda a merda de 2023, mas ao mesmo tempo somos totalmente diferentes de 2023. Somos dois mundos. O antes e o depois. ---------------- Encontrar nas paradas de sucesso algo remotamente parecido com Herb é hoje impossível. Algumas bandas fofas, nos anos 90 e 2000 tentaram o imitar. O som de Herb se tornara cool. Mas era fake, extremo fake. E em 2023 o que vemos é histeria, não alegria, pornografia agressiva, nunca sedução, e desespero, não revolução. O mundo que produziu esse som se foi. Morreu em algum momento de cinismo absoluto entre 1979-1982. ------------ Ouça, por exemplo, o tema de Cassino Royale. São apenas 2 minutos e meio, mas quantas ideias há nessa melodia e nesse arranjo. E todos, todos os sons apontam para cima, são leves, espertos, alegres, cheios de vida. Cada toque na bateria, cada timbre de sopro, tudo remete a luxo-calma e saber viver. A música, composição de Bacharach, é elegante, correta, perfeita, e ao mesmo tempo uma surpresa. Imagine como foi a escutar pela primeira vez, em 1967... ( No ano de Sgt Peppers foi Herb Alpert quem mais vendeu nos USA ). Ainda hoje quando estou feliz e me sinto alinhado, é uma música como Spanish Flea que vem à minha mente. ------------------- Para encerrar, a questão que coloco é: há possibilidade de uma Páscoa espiritual do mundo? As pessoas voltarão a ser otimistas, confiantes, amorosas, chiques, centradas? Afinal, passamos por momentos terríveis em 1929 e durante a Guerra de Hitler. Sinto dizer que penso que não. O que ergueu a moral em 1945-1970 foi um crescimento econômico como jamais houve antes. Pela primeira vez em toda a história do mundo, gente de 15, 16 anos não precisava trabalhar e uma porção imensa da população tinha o que comer. Isso foi mágico, incrível, uma mudança que as gerações seguintes mal conseguem imaginar. Não se morria aos 22 de tanto trabalhar. Não se morria de fome na Europa e América. Mais, a molecada de 18 tinha grana na mão pra gastar. Daí a cultura jovem. Daí a revolução. Herb Alpert era a trilha careta de quem ganhava grana, mudava de vida mas não mergulhava nas drogas. ------------ Penso que não haverá renascimento igual porque a causa profunda de nossa falência é exatamente o excesso de facilidades. E ninguém, nem eu e nem voce, vamos querer voltar a lutar pela vida. O simples aumento de caixa não salvará nossa alegria. Mais sexo ou mais drogas também não. ---------------------- Ouça o que postei de Alpert e tente sentir o que descrevi.