LIVRO DAS MIL E UMA NOITES, VOLUME 1 RAMO SÍRIO ( e a cultura da honra )
Tradução direta do árabe por Mamede Mustafa Jarouche. Eu li faz uns 10 anos a versão POP, aquela traduzida do francês por Malba Tahan. Essa versão, a que rodou o mundo e se tornou parte da cultura universal, é o melhor conjunto de narrativas que se possa achar. Por isso a fascinação de Borges. Nada explica melhor o amor do homem por ouvir histórias que esta obra. A princesa conta toda noite uma história para o Sultão, evitando desse modo que ele a mate pela manhã. Ou seja, a narrativa adia e vence a morte. Sem histórias nós morremos. Imaginar um mundo onde um pai não conta suas histórias para os filhos, onde não haja livros ou mesmo canções e RAP, é imaginar um mundo sem vida humana. O que define o ser humano é a capacidade de fabular e a necessidade de ouvir esse contar. Cinema, teatro ou epopéias, sem isso morremos. A qualidade de vida de um momento histórico é definido pela qualidade das histórias que são contadas. ------------------ A versão, esta, adulta, tem palavrões e mais sexo. O amor à criatividade é o mesmo. Não pense que a versão popular-antiga é infantil, ela não tem idade como não tem lugar. Esta é mais dura, aquela mais solta. Ambas são o que são, mágicas. Gênios, demos, poções, tudo vale, tudo pode acontecer. Mas é preciso falar, a maior parte das histórias tem a mesma motivação: um homem é chifrado por uma mulher. Não vamos negar o que se lê, a cultura árabe é toda centrada na honra do homem, e nada suja mais essa honra que um corno na cabeça. Descendentes dessa cultura, latinos carregam esse costume em seu gene. Espanha, Portugal, sul da França e da Itália sofreram imensa colonização árabe, ficaram os chifres. Na cultura celta as mulheres eram divididas pela tribo, o valor delas era ainda mais baixo, e por isso não havia o pavor da traição, de ser feito piada. Entre os árabes, a mulher pura tem valor sem preço, mas a traição coloca o homem como desonrado e a mulher que trai se torna digna de execução. Digamos que entre os celtas elas eram objetos de uso, e entre os árabes era princesas ou uma praga do demonio, sem meio termo. Por isso entre ingleses ou alemães, o tema da honra masculina não tem tanto valor. Já na minha cultura, tenho sangue árabe, basta olhar meu rosto para perceber, a honra está acima de tudo, e a honra maior é familiar: pai, irmãos, mãe e a mulher. Não se pode quebrar essa tradição. Nestes contos há ladróes e mentirosos que são até perdoados, o corno não tem como ser esquecido. É desonra para sempre. ---------------- Em 2023, neste nosso mundo, que na verdade é meio mundo, o Ocidental ou aquele que segue a cultura greco-latina, tudo está em crise. Vivemos a maior crise existencial desde o ano 1000, momento da idade média em que se definiu o que seriam os próximos mil anos. Nada está seguro agora, religião, arte, família, psique, tudo parece e está sendo dissolvido. O que virá em seguida? Dizem os astrólogos sérios que serão séculos de escravidão inconsciente. A nova etapa da história lembrará o antigo Egito, populações inteiras servindo a um grande senhor ( ou grande empresa ) em troca de sentido de vida, pão e circo. Um véu cairá sobre as pessoas e elas abrirão mão de sua particularidade. ------------- No mundo árabe nada disso faz sentido pois faz séculos que eles vivem basicamente do mesmo modo. Por detrás da Ferrari ou do brilho da cidade, o que existe é o tapete carregado para a reza, a mulher escondida, a ausência de alcool e de carne de porco, a certeza absoluta de se estar sempre certo. AS MIL E UMA NOITES não têm dúvidas, exitações, tudo é ação, tudo é de Deus, tudo é plano Divino. E por mais ateu que voce seja, tudo isso está dentro de nossos genes. My dear.