COMO SE ESCREVE UM ROTEIRO: THE BAND WAGON ( A RODA DA FORTUNA )

Acima de tudo, este filme, escrito por Adolph Green e Betty Comden, é uma aula de roteiro. Explico como e por que... Fred Astaire, em 1953, ano de filme, sofria com a idade e com Gene Kelly. Aos 54 anos de idade, era considerado velho para fazer par romântico e pior, se duvidava de sua habilidade física. Cartola e bengala eram vistos como coisa de vovô e Gene Kelly, com seu tipo atlético, informal, ousado, era o rei do musical de cinema. Pois bem....como ressuscitar a carreira de Fred Astaire? -------------- Em filme mal escrito, do tipo das biografias feitas hoje em dia, se mostraria Astaire como sofredor que dá a volta por cima. Na primeira cena seria mostrado Astaire ( seu persoangem, Tony, um ator de musicais ultrapassado ), a sofrer. Sozinho em casa, bebendo, ou vendo seus velhos filmes na TV. Isso seria óbvio, apelativo, chato. O que faz este roteiro? Mostra um leilão de memorabilia do cinema. Leiloam a cartola e a bengala de Tony-Fred. Pedem apenas 5 dólares. Ninguém dá lance. Baixam para um dólar...cinquenta centavos..."Alguém quer?" ------------------- Esse o tom do filme por todo o tempo. Na cena seguinte Fred está em um trem. Ao descer há um grupo de jornalistas esperando uma estrela, Fred fala com eles contente, mas na realidade quem é esperada é Ava Gardner. Fred canta então, andando só pela estação, All By Myself, uma das muitas canções maravilhosas deste filme perfeito. Percebemos então que esta obra é amarga, amarga e engraçada, exagerada e elegante. O casal de roteiristas se auto retrata no casal de roteiristas que recebe Fred nas ruas de New York. Ele, um pianista hipocondríaco, ela, uma elétrica otimista. O filme se desenvolve nesse diapasão: a vida real retratada todo o tempo em roteiro que fantasia ao exagerar, mas revelando a realidade do momento. Jack Buchanan faz o diretor de teatro da moda, artista que irá relançar Fred à fama. Criação genial do roteiro, ele é pretensioso, artístico, over. Faz do musical um novo Fausto, um deprimente show de satanismo. ( Há aqui uma gozação com THE RED SHOES ). Fred, inseguro, teme que a bailarina famosa, Cyd Charisse, o ache baixo demais, POP demais, vulgar demais. Cada cena no filme apresenta uma solução, sempre leve e nunca óbvia, para cada problema da história. As canções, de Howard Dietz e Arthur Schwartz, são fantásticas. Triplets foi copiada até por Jô Soares 30 anos mais tarde, e a dança no clube de jazz é uma obra prima completa que exala modernismo chique até hoje. ---------------------- Ver um filme como este dignifica o cinema e nos faz recordar o que significa um grande roteiro. Vincente Minelli era um diretor que dependia sempre de um bom roteiro para fazer um grande filme. Quando tinha um roteiro mais ou menos errava irritantemente, quando com um bom script ele sabia o valorizar. A RODA DA FORTUNA é considerado um dos 10 grandes musicais da história. Não é. É um dos 5.