WILLIE NELSON - STARDUST. AQUELAS CANÇÕES TÃO FUNDAMENTAIS

Nos anos 20 e 30 os EUA construíram um repertório musical sem igual no mundo. Aquelas canções populares, cantadas por gente como Al Jolson e Bing Crosby e que depois seriam o Eldorado de Sinatra e Dean Martin, Tony Bennett e Sarah Vaughn. As letras espirituosas, adultas e as melodias que são tão bem elaboradas que todo jazzista as usou e usa como tema de seus voos. Se o pop pós anos 1960 acabar, aquele do rock, soul, funk, country e disco, este pop, o de Gershwin e Porter, Irving Berlin e Kurt Weill permanecerá. ------------- Em 1978, Willie Nelson, famoso no country music, resolve lançar um disco composto pelas canções que ele mais ama cantar. E essas melodias são aquelas de Ella Fitzgerald, Sinatra, Mel Tormé, Joe Willians. O pop da Broadway pré rocknroll. A gravadora vê com suspeita esse projeto. Mas Willie vai adiante. O disco se torna um fenômeno. Permanece dez anos entre os 200 primeiros da Billboard. Ganha um Grammy. E surpreende a crítica mundial. ------------- Bateria discreta, contra baixo suave, violão dedilhado, um teclado sibilante. Booker T. Jones produziu e tocou orgão. O resto da banda é o grupo habitual de Nelson, de seus discos country. Mas aqui nada há de country. Eles tocam um quase jazz, um quase soul, um pop perfeito. A voz de Willie Nelson é inesquecível, perfeita. Em Moonlight in Vermont ele produz um milagre: sua voz soa como um saxofone, um sax tocado por Lester Young ou Ben Webster. E atenção! Willie não canta em scat, ele não faz "be ba be bom boom da", ele canta a letra, com perfeita dicção, e cada palavra soa como um arpejo de sax. Eu quase entro em transe. É um dos grandes momentos deste disco único. ---------------- Há ainda minha canção favorita, September Song, de Maxwell Anderson e Kurt Weill, a mais linda canção pop já composta. Eu devo ter escutado dezenas de versões dessa canção, de Kevin Ayers à Sinatra, de Lotte Lenya à Ian McCullough, de Bryan Ferry à Lou Reed, e esta é uma das melhores. Willie não chora, erro cometido por Ian McCullough, não é frio demais, erro de Lou Reed; ele transmite emoção no ponto exato, a dor do destino em toda sua inexorabilidade. ----- O disco tem mais. São dez faixas sem falhas. Dont Get Around Much Anymore de Duke Ellington, uma das músicas que mais cantarolo em toda minha vida, melodia magnífica, aqui em versão apurada. Apuro que se nota em todo o disco. São dez motivos para se amar a canção popular. São dez motivos para se amar Willie Nelson. O caipira de trancinhas de índio, o maconheiro mór, é muito, muito mais elegante que 99% dos cantores de terno que se apresentam para a rainha. Um disco dez!