A VOZ DOS IMBECIS

Por ter sido ateu eu entendo qual o prazer em descrer. E por ter sido um apaixonado pela palavra impressa em papel, eu entendo o rancor daqueles que perderam seu posto aristocrático. Não se engane, esse povo que urra de ódio contras as tais fake news ( que existem, mas que para eles só são fake quando falam de algo que não os agrada ), são da mesma espécie que eu fui. ----------------- Toda coluna em jornal era para mim A VERDADE, e qualquer pessoa que escrevesse livros era O SÁBIO. Eu jamais questionava. Se estava no JT ou na Folha era uma realidade indiscutível. Jamais duvidava de um autor. Para mim, tanto Kant quanto Locke estavam certos. Imagina o tamanho da confusão dentro da minha cabeça. --------------- O que NUNCA poderia estar certo era a opinião do motorista do ônibus, do dono da venda da esquina, da costureira. Eles nada sabiam porque não eram CULTOS. Vaidoso ao extremo, eu fazia parte do delicioso mundo masturbatório dos que SABEM TUDO. Era um NOBRE do pensamento, um aristocrata, não fazia parte da RALÉ. ----------------------- Desse modo, eu me obrigava a ler, ouvir, assistir tudo que essa aristocracia consumia. Havia um código, havia uma moda, havia uma etiqueta sangue azul. E a lei fundamental era: JAMAIS LEVAR A SÉRIO O PENSAMENTO DO POVO. O povo só valeria como SER quando dirigido e educado por um aristocrata. CONSCIENTIZADO, modo bacana de dizer: DIRIGIDO. Eles deveriam ser nossos VASSALOS para poder ser levados em conta. ---------------- Esse mundo, hoje, continua a existir. São as pessoas que enobreceram alguém como Anitta, isso porque ela paga seu tributo à velha nobreza cultural. Mas não só ela. Do carnaval ao samba tradicional, os aristocratas dão salvo conduto aos que lhes beijam o anel. Então passam a escrever, nos cadernos culturais, algo que lhes dê o status de vassalos. É o mundo em que vivi por décadas. Mundo que dava direito de existir à Peninha ou à Clara Nunes, mas não à Benito di Paula ou Agepê. O critério não era estético. Era de vassalagem. ------------------- Hoje eles estão irritadissimos. A imprensa escrita pouco importa e até o simples caixa de banco pode dizer o que pensa. Não é mais preciso ser da PATOTA. da turma do SANGUE AZUL para se fazer ouvir. Mais insuportável para eles, o presidente eleito não é um vassalo ( LULA ), nem um deles ( FHC ). O horror que os deixa em pânico é o de ver o POVO tomando gosto pelo PODER. Ver o caminhoneiro churrasqueiro, a manicure brega, o taxista conversador tomarem posse do país. Eles sentem nojo. Sentem asco dessa gente BRASILEIRA. ------------------ Eu era assim. Não me via como um deles. Eu achava ser um acidente. Um ET que por acaso nasceu no Brasil. Meu desprezo por esta terra era absoluto. Por isso me enfurnava entre meus iguais. Os caras que escreviam na FOLHA, no JT. Eu aceitava apenas o BRASIL do carnaval, da MPB, o BRASIL idealizado, domesticado, moldado por gente como eu. Da novela da GLOBO, do show de fim de ano, de TOM e de VINICIUS. Um país que nunca existiu de fato, mas que a gente fingia defender. Porque o Brasil real, esse a gente ODIAVA. -------------------- Por fim não tenho dúvida nenhuma em dizer que entre a classe média o ódio ao presidente ( o ódio visceral e irracional, automático e instintivo ), é o ódio ao Brasil. Um ódio que sempre existiu, sempre foi motivo de orgulho de classe. O ódio que fazia com que zombassemos do caipira, sentíssemos aversão pelo pai de família crente, desejássemos o fim das tradições nacionais. -------------- Esnobismo. Vaidade. Tudo é vaidade. Abjeta vaidade.