O ARISTOCRATA DA TELA: ALAIN DELON SE DESPEDE DA VIDA

Não há e nunca houve ator mais bonito que Alain Delon. E por vivermos em mundo que cada vez mais odeia a beleza, não teremos ninguém para ocupar seu lugar. Sendo tão belo, Delon tem o dom básico do aristocrata de verdade. -------------------- A beleza é injusta. Ela premia de forma aleatória. O ódio atual contra a beleza se deve a não aceitação do mundo real, mundo que é injusto e também é belo. A aristocracia, aquilo que faz de alguém algo ACIMA da média, começa pela beleza. Existem aristocratas fisicamente feios, mas não há aristocrata que não ame a beleza. Alain Delon é não apenas belo, ele se educou e criou um halo de frieza e de indiferença estudada que o tornaram o mais aristocrata dos aristocratas. Quando se imagina um conde de linhagem secular se pensa em Delon. Melhor ainda, quando se imagina um nobre que perdeu seu título mas manteve sua alma, também se pensa em Delon. ---------- Sua origem foi plebéia, ele nasceu em meio aos bandidinhos do sul da França, terra da Camorra. Mas, por ter vindo ao mundo com uma casca de beleza, logo percebeu que seu corpo era um trunfo. Era inteligente. E ambicioso. Uniu-se às pessoas certas, muitas eram nobres empobrecidos, havia disso na Europa dos anos 40-50. A TV e o mundo do sucesso mundano ainda não haviam poluído as mentes mais refinadas. Delon fez-se. Entre velhos gays, mulheres perdidas e tipos suspeitos. Todos ricos, todos sedentos por beleza, todos aos seus pés. ------------ Foi amigo de boxeadores, mafiosos, meretrizes de hiper luxo, corredores de rally, ciclistas, ladrões. E fez filmes. Muitos ruins. Vários bons. ------------- No cinema ele conseguiu ofuscar estrelas como Brigitte Bardot, Romy Schneider, Burt Lancaster, Jean Paul Belmondo. Quando entrava em cena a gente pensava: chegou um vigarista refinado. Ele nunca parecia violento, mas sempre transpirava crueldade. Delon foi mais uma prova de que a beleza verdadeira está sempre temperada pelo mal. -------------- O SAMURAI, O SOL POR TESTEMUNHA, O LEOPARDO, são talvez seus mais perfeitos filmes. Mas há ainda A PISCINA, STAVISKY, ROCCO, A GAROTA DA MOTOCICLETA...são muitos. Em todos ele é o mesmo cara: bonito, maldoso, frio, quieto. Misterioso. Delon passava mistério em cada olhar e em cada gesto. A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE é o filme onde ele prova ser também um verdadeiro ator. Mas não era atuar aquilo que o interessava. Ele ambicionava poder. E o obteve. Foi durante trinta anos o mais famoso ator europeu. ( 1958-1988 ). Nem Mastroianni ou Yves Montand, nem Gassman ou Belmondo foram tão famosos. E foi o mais rico dos tempos. Havia ainda Tognazzi, Sordi, Gabin, Trintignant, Volonté, Von Sydow, Schell, Froebe. ------------- Agora, aos 86 anos, após um AVC, Delon pede por sua eutanásia. Na Suiça isso é normal e Delon quer sair da vida "com dignidade". Aristocrata que é, ele não divulgou a data. Pode já ter deixado nosso mundo, não saberemos. Na carta ele diz não suportar a ideia de precisar depender dos outros para viver. Prefere apagar as luzes agora, enquanto ainda é o dono de si mesmo. ----------- Covarde? Precipitado? Quem tem o direito de julgar um aristocrata? Alain Delon faz aquilo que gente de seu mundo faz: decide. Escolhe. Opta. Faz na solidão. Friamente. Sem drama. Sem nada de choroso ou espetacular. ------------------ Para a geração que precisa de audiência 24 horas por dia, isso é incompreensível. Não haverá mais ninguém assim. Pena. Pena de nós, nunca dele.