O SÍMBOLO DA TRANSFORMAÇÃO NA MISSA - C.G.JUNG
Neste vasto, vasto livro, Jung nos mostra o significado profundo do ritual da igreja católica e do porquê dele ser um modo genial e racional de encontro das várias partes dispersas em nosso ser. Para isso, com sua assombrosa erudição, Jung cita textos gnósticos, alquímicos, judaicos, egípcios e nos faz entender o modo como o catolicismo, habilmente, anulou o perigo da vaidade gnóstica e nos deu a MISSA, a teatralização da vida e da morte de um Deus. Nela, nós, sem o perceber, somos mortos e matamos, comemos e somos comidos, bebemos e damos nosso sangue, somos testemunhas e ao mesmo tempo agimos. Disse que o livro é vasto? São apenas 90 páginas, mas são repercussões sem fim. --------------- Como posso dar a voces o gostinho, um sinal da abrangência de tudo isso? Quem me lê sabe que para mim Jung é guru pelo fato de que ele não me convence com suas palavras ou me seduz com suas ideias. Eu dou valor a Jung porque o que ele fala eu senti ANTES de o ler na carne e na alma. Percebo dentro de mim, desde sempre, a divisão entre meu insonciente e meu consciente, um atemporal, não verbal, eterno porque não começa em mim, cósmico, livre, e o outro, racional, preso ao tempo e às palavras, vigilante, medroso, finito porque nasceu quando nasci e deixará de ser quando eu morrer. Pois saiba que em minha vida, em momentos vários, eu senti o inconsciente em mim e ao redor de mim. Vi a indiferença com que ele existe, sua força imorredoura, sua eternidade ampla, independente, e ao mesmo tempo comum à todo ser humano. Somos os dois, mas a maioria vive no limite auto imposto de ser apenas o consciente, aquilo que fala, que sabe, que explica, que divide em partes. Pois saiba, a Missa é a mais bela forma de tentar integrar os dois. Como? Pelo exemplo do Cristo e pelo ato sem porque. ---------------- O ato sem porque: Não há razão no inconsciente. Ele não é apreensível pela razão e não pode ser descrito por palavras. Falar do inconsciente é matar o caminho. O inconsciente se faz perceber por imagens, atos sem sentido, símbolos, sensações. O incenso, o cálice, o vinho, o sino, tudo é modo de acessar o caminho para dentro. E há a cruz. ----------------- As duas linhas que se cruzam e formam quatro campos. No encontro, no centro da cruz, o ponto que é o centro do universo. Conhecer o limite do universo através do infinitamente pequeno. Mas, mais que tudo, ela nos lembra que para se conseguir ser o UNO, o INTEGRADO, aquele que não tem conflito, é preciso se dar em sacrifício. Dar sem esperar nada em troca. Dar por amor a quem se dá. Dar por dar. Abrindo assim mão do ser temporal, do que é seu, do que voce é. Morrer. Padecer. Eis o único modo de se RENOVAR. REVIVER. RENASCER. Não há ganho sem dor, mas não se deve dar esperando esse ganho. Não se pode procurar o sacrifício, ele precisa ser aceito. ---------------- Falando das palavras, Jung diz: " A ruptura do contato com o inconsciente e a tirania da palavra representam uma perda: A consciencia torna-se cada vez mais discriminadora e com isso a vida torna-se cada vez mais dividida em partes. Perde-se então o sentido de UNIDADE. A psique se rompe em divisão. O sentido se perde". ( Que bela discrição do mundo de 2022 ). --------------- A Missa é a história, sempre renovada, de um Deus que renuncia a si-mesmo, que abre mão de si e nos mostra o caminho da integração, da unidade. Um milagre sempre refeito: séculos passados e a missa se mantém como é: um momento atemporal e sem lugar. O grande milagre da Igreja explícito, a Missa existe. Sua ocorrência é o milagre maior. Pão e vinho, da duas maiores criações da cultura, o grão que vira pão, a uva que se torna vinho, e ambos se tornando sangue e carne. Comemos um Deus. A missa não foi criada, é uma manifestação de uma profunda necessidade. É uma mensagem sem palavras. Gestos e atos sem sentido que refazem o sentido. ------------ Explicar mata o mistério. Falar interrompe a comunhão. Paro aqui.