FINADOS 2021
Costuma-se dizer que quando morre uma pessoa querida é como se um pedaço nos fosse tirado. Mentira. O que sentimos é que um peso nos é acrescentado. Nos tornamos mais lentos, viver aumenta seu trabalho. Pensei isso não por ser hoje dia de finados, mas por ter observado o rosto de um famoso artista. Suas marcas são as marcas de quem já se foi. Sentimos que ficamos para trás. É estranho porque é quem morre que parte, mas sentimos que ficamos aqui enquanto aquele que fazia parte de nosso mundo se foi. Não é o morto que foi abandonado. Somos nós que fomos deixados por ele. -------------- Só conhece a dor quem passou pela morte. Seja sua quase morte, seja a morte de quem voce ama. Nosso amadurecimento se dá pela morte. Diante dela todo o resto parece pequeno. Na beira da cova nós somos quem nós nascemos para ser. Não há como ser mais real. ------------ Noto hoje que em 2021 o dia de finados foi ainda mais ignorado que em 2018 ou 2012. É mais uma de nossas datas que será cancelada. Nosso mundinho cultural tenta tenazmente destruir o passado e um dia como este é a lembrança de que todo passado nos leva à consciencia da morte. ------------ Voce pode pensar que em plena pandemia a morte se tornou mais presente. Mas não. O que se tornou mais presente foi o medo. A histeria mundial diante de um virus foi a busca obscena pela vida sem riscos. Tudo valeu para negar a verdade da morte. O dia de finados nada tem a ver com a histeria covarde da pandemia. Finados é a aceitação trágica do fim. E o revalorizar dos que nos deixaram. A pandemia foi apenas um choro berrado de crianças mimadas. ---------- Coloque-se diante de suas memórias e sinta a falta de quem morreu. E não venha falar da morte de um amor. Eu falo da morte física, do corpo sem vida, daquilo que era vida e agora é objeto inanimado. Essa morte, a real, a verdadeira, a absoluta, é muito mais severa que qualquer amor perdido. Pois ela é o momento em que voce, o vivo, o enlutado, deixa de ser um indivíduo e se reconhece como absolutamente humano. Voce se vê como todos os outros são: um vivo que chora a morte. Nada mais que isso. A morte nos vence a todos. E nossas rugas são as cicatrizes de te-la encarado. ---------------- Eu mudei radicalmente com meus lutos. O homem que eu era antes não mais tem como existir. Pois se ele voltasse eu negaria a morte de meu pai e de meu irmão. A morte, a condição de não mais estar, é estranhamente, a mais real das presenças. Então eu poderia escrever, apenas para criar um belo efeito, que morrer é finalmente se tornar real. Mas não é isso. Nunca saberemos o que é morrer pois ao morrer não somos mais. O que digo é que em nós, vivos, a experiência da morte faz com que essa experiência se torne o mais real dos momentos. Portanto, por não mais aqui estarem, nossos mortos ficam ALÉM DO TEMPO, e assim, REAIS como nunca antes.