O ALEPH, JORGE LUIS BORGES

Assim como todo novo amor modifica todo amor vivido no passado, o que passou jamais é estático, ele é vivo como o presente, cada livro lido modifica o valor de tudo aquilo que antes foi lido. O EU que leu O Aleph em 2006 é completamente outro do EU que o lê agora. Nesse meio tempo, 15 anos, eu estudei teoria literária e além disso devo ter lido mais uns 500 livros. Filmes, passeios, pessoas, atos, tudo isso faz com que minha percepção tenha mudado. O EU de 2006 ficou assombrado com a criatividade de Borges, o de 2021, menos, bem menos. --------------- O fato é que nesses 15 anos eu li aquilo que Borges amava e então a cada frase do argentino eu vejo a fonte em que ele bebia. Em 2006 eu nada sabia de Hesíodo ou Edmund Spenser e dava valor muito baixo a Poe, Conrad, Stevenson, Wells, Chesterton e às MIL E UMA NOITES. Borges não foi um gênio como eu pensei um dia, mas sem dúvida, foi um escritor maravilhoso. --------------- Disse uma vez que existem dois tipos de autores, aquele que narra histórias criativas e aquele que cria personagens vivos. Raramente alguém conseguiu fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Cervantes é um. Borges conta histórias criativas, o personagem que narra é quase sempre ele mesmo e seu interesse não reside na vida interior dos tipos, mas sim na ação e nas sensações que nascem. O que mais admiro em um autor é o poder de penetrar na mente de uma personagem viva. Borges não é assim. ------------------- Labirintos, mundos dentro de mundos, tempo que contém todo o tempo, universo que é o Kosmos e ao mesmo tempo partícula que reflete todo o Kosmos....tudo isso se tornou cultura POP neste século. E nesse sentido, Borges teve azar. Ler o Aleph agora traz à lembrança algo muito próximo de filme da Marvel. ----------- Borges sempre será um grande escritor, óbvio, mas sua maravilhosa criatividade hoje parece bem menos maravilhosa e muito menos criativa.