NEW YORK - LOU REED

Era o ano de 1990 e eu lia na Folha de SP que Lou Reed lançava seu melhor disco solo. André Forastieri acho, escrevia em página inteira uma elegia ao artista. Dizia que Lou nunca cantara tão bem e que sua guitarra lembrava às vezes ZZ Top e às vezes Johnny Marr... well...comprei o disco então e não escutei nada de Marr e nem de Gibbons ( o tal ZZ Top se chama Billy Gibbons ). Mas na época eu achava que palavra impressa era sempre a verdade, então achei que eu é que não sabia ouvir. --------------- Mike Rathke é quem sola a guitarra no disco. Lou Reed faz apenas a base. Mas me parece que André não leu o encarte ( se não foi o André me desculpe, mas tenho 98% de crença ter sido ele ). De qualquer modo meu chute é bem mais certeiro que o dele. Lou não demonstrou influências de ZZ Top. Lou nem mesmo tentou solar. Ele parou de solar em 1973. E só voltou a tocar guitarra solo em seus discos após 1993. --------------- Eu amo barítonos. Começando com Jim Morrison, barítonos são as minhas vozes mais queridas. Iggy Pop, Bowie às vezes, Johnny Cash, Philip Oakey, JJ Cale ( um barítono enfraquecido ), e Lou Reed, um barítono contido. Em New York sua voz soa clara, nítida, cada sílaba dita em detalhe, cada R ou TH pronunciado com rigor. Mas não só sua voz: as cordas de baixo e guitarra são ouvidas como se fossem orquestras. O disco é nu como um LP de JJ Cale ( há muito de Cale aqui em sua simplicidade confiante ), e ao mesmo tempo, nessa simplicidade nua vive a complexidade dos timbres e dos acordes profundamente explorados. Cada faixa é um mundo e cada mundo tem seu universo sonoro. Não, nada há de ZZ Top aqui. Nem de Marr. O que temos é 100% Reed, polaroides de uma cidade que é ele mesmo, uma city self. A beleza e´superlativa. De Dirty Boulevard à Strawman, tudo é deliciosamente Lou Reediano. ------------- Sim, é um disco obrigatório e sim, é uma obra prima. Mas Transformer é melhor e Berlin é mais poderoso. Busload of Faith só poderia ser de Lou Reed e Hold On também. Grandes artistas fazem coisas que só eles poderiam fazer, mais ninguém. Quem mais cantaria algo como Xmas in February? Lou Reed mistura, sempre, cinismo com delicadeza, violência abafada com explicitação de raiva. Ele era um cara ruim, quem leu sua bio sabe disso, e era adorável. A gente adorava ser desafiado por Lou Reed. Não há ninguém nem remotamente parecido com ele. Ele era um molde. Feito por ele mesmo. --------------------- Em 1990 eu adorei New York. Trinta e um anos depois eu ainda adoro. Acho que não vou viver mais 31. Mas sei que ele durará isso tudo e mais um pouco.