MORRER NA HORA CERTA ( em Roger Scruton we trust )
Acabo de ler um lindo texto de Roger Scruton sobre a morte. Não, não se assuste, nada de deprimente aqui. Juro pra voce. ------- Scruton fala do prolongamento da vida. Do modo como as pessoas hoje vivem mais, vivem muito, vivem demais. Ele começa falando sobre o suicídio e ao final fala sobre o modo mais digno de morrer. Segundo ele, nossa visão da morte, a visão moral da coisa, não cabe mais nos dias de hoje. Isso porque toda nossa moral sobre a morte foi criada quando se morria cedo e se morria muito. A morte era rápida e nunca parecia ser "na hora errada". Então Scruton fala brilhantemente sobre o que seria uma morte na hora errada. Me permitam mas agora quem fala sou eu ( sempre tendo Scruton como guia ). --------- Uma pessoa que está velha e que foi famosa um dia, mas que hoje ninguém mais a conhece, ou pior ainda, descobre que tudo que ela fez foi irrelevante. Essa pessoa sobreviveu à sua morte. O momento de sua morte foi perdido. Um homem que um dia foi amado e respeitado, digamos um político, mas que hoje, ao ser descoberto como mentiroso ou indigno, esse ser agora patético, sobreviveu ao seu momento de morte. Mas há algo ainda pior, e isso eu conheço bem de perto, que seja: Por vivermos mais tempo, o mundo ficará cada vez mais cheio de gente que já se foi espiritualmente, mas que insiste em viver como um tipo de fantasma de carne. Uma triste lembrança daquilo que já foi. Velhos que não mais recordam quem foram, que não se conectam a mais nada, que não sentem empatia ou medo, que apenas respiram, comem e adormecem. Velhos presos no pavor da morte ou na indiferença à própria vida. Esses, sinto dizer, deveriam ter morrido à muito. Perderam a vida, mas não morreram. --------------- Scruton diz que não há como morrer na hora certa ANTES DE HAVER MORRIDO. A ironia é que só sabemos ter morrido em hora certa após termos partido, ou seja, são os outros que saberão disso. ( Meu pai morreu na hora perfeita ). Mas podemos, de certo modo, nos preparar para não viver além do que devíamos viver. E este é um esforço, se é que se pode chamar de esforço, cada vez mais raro. ---------- Mas que esforço seria esse? Para o explicar, melhor primeiro dizer o que está nos levando a viver além do que valeria a pena. O pavor de morrer. O excesso de cuidado com a saúde. A higiene extrema. O não correr riscos, sejam emocionais, sejam físicos. O esforço, estafante, em adiar o fim. E qual seria o tal esforço para morrer em seu momento certo? ------- Scruton usa uma imagem exata em sua precisão: gastar o corpo e aumentar a mente. Envelhecer bem seria o ato de deixar o corpo se desfazer enquanto a mente cresce sem parar, ou seja, exatamente o contrário do que acontece com a maioria hoje, em que a mente se deteriora e o corpo insiste em se manter vivo. Scuton fala coisas simples, mas que penso serem genuínas: beba vinho e menos água, não se proiba de comer carne e gordura, ande não para melhorar sua forma, mas para ir e ver lugares, celebre e se permita exagerar, viva sua vida gastando seu corpo. Não se destrua, ele jamais fala em sucídio lento ou inconsciente, mas não se poupe para ganhar mais cinco anos. Nunca abra mão de um prazer real por um ganho que no futuro de nada te servirá. Em suma, e falando de forma mais poética e filosófica: não deixe de construir a sua morte. Pois edificar a morte é parte, e talvez a mais importante, da vida. ----------------- Todos os velhos que admiramos, poucos, viveram assim. Não foram loucos desvairados destrutivos, mas jamais advogaram da moderna religião da saúde e longevidade a qualquer preço. Não fumavam até criar um efizema, mas também não deixaram de beber seu vinho e comer seu filé. Viveram enquanto a vida era possível de ser apreciada. E por não se pouparem, ao ficar doentes, morreram rapidamente. ( Por rápido entenda seis ou sete meses, e não os anos e anos de asilo ou de demência ). ---------------- A medicina caminha para a utopia da promessa da vida eterna, e eu, que já tenho mais de 50, já sinto que a vida eterna seria uma maldição. Não porque eu não goste da vida, sou curioso e quero ver onde tudo vai dar, mas sim porque a vida sem saúde ou sem prazer não vale nada. Se torna apenas tédio e teimosia. Viver 150 anos ou mais, transformaria tudo em cinza anônimo ou em repetição, e viver eternamente faria da vida algo sem qualquer valor ( Que graça haveria em um aniverário se voce soubesse que ele iria se repetir para sempre? Para que procurar um amor se voce poderá o encontrar daqui a 100 ou 200 anos? Para que ver um amigo hoje se voce poderá o ver sempre? É a possibilidade da perda que dá valor à vida e quanto mais provável a perda mais ela vale ). ---------- Esse o sentido da morte, parte de nossa vida e não sua inimiga.