BEETHOVEN, SINFONIA 3. O MOMENTO EM QUE TUDO MUDOU.

A vida é feita de coincidências e no dia em que ouço a Terceira Sinfonia, pego um livro de H.L.Mencken, e me surpreendo ao ler páginas que ele escreveu sobre a Terceira de Beethoven. Segundo Mencken, foi na noite de setembro de 1808, quando de sua estreia em Viena, que a música moderna nasceu. O público, acostumado ao classicismo de Haydn e Mozart, não entendeu direito o que era aquilo. Complexo demais, vasto demais, exigente demais. Muita informação, muito volume, muita força. Mencken diz que Beethoven, e eis uma bela definição, nunca parece um homem fraco. Ele não chora jamais, não se adocica, nunca cai de seu pedestal. Toda sua obra é isenta de emoções baratas ou simplórias. Seu nível é sempre o mais alto. ------------------ Eis então a Terceira. Três acordes. A melodia já se dá. Nada de doces preparações, a sinfonia se inicia em seu auge: eis tudo aqui. Em apenas 30 segundos, 30 segundos!!!!, Beethoven nos dá toda a obra. Isso nunca era feito. A música era preparada, vinha aos poucos, havia introdução, lenta introdução, mas não aqui. Beethoven começa pelo auge e depois cria, sem cessar, variações sobre esse apogeu. É coragem em seu extremo, ele não guarda o trunfo para mais tarde. É como se ele afirmasse, aqui te entrego tudo, mas creia, tenho muito mais para oferecer! E ele entrega. ------------ Mencken diz que o primeiro movimento mudou toda a história da música. Se voce ouvir o que se fazia antes irá entender. Nada em Bach, Mozart, Haydn, Haendel, Monteverdi, Rossini, é sequer sombra destes 15 minutos de louca euforia. A orquestra ataca sem parar, são picos sobre picos, não há mais a calma harmonia de antes. O mestre cria vulcões emocionais e os emenda com tufões. E cada vez que o tema inicial retorna ele se faz cada vez mais grave, mais cruel, mais beethoviano. É aqui que nasce esse modo de ser, beethoviano, o autor como terrível arauto de um universo mais denso, sério, urgente. Para Mencken foi Beethoven o maior gênio em qualquer arte e em qualquer tempo. Não digo isso, mas também não consigo lembrar de alguém maior que ele ( Michelangelo talvez? ). ---------------------- Pierre Monteux rege a Concertgebouw de Amsterdan em 1962. Existem 3 tipos de maestros, os rimbombantes exagerados: Bernstein, Karajan, Furtwangler; os emocionais: Abbado, Toscanini, Solti; e os delicados, área onde Monteux foi o máximo. A execução é mais que perfeita, é sublime. Há alegria eufórica em cada naipe, mas sem jamais haver um só momento de exagero. Monteux, sempre sereno, segura a orquestra, e assim destaca a ourivesaria da obra. --------------- Ouvir a Terceira é crescer como ser humano e esse era o ideal de Beethoven. Ele compunha para se expressar e sabia que oferecia ao mundo uma mensagem de engrandecimento. Dizem que ele era irascível, mal humorado, violento, duro; mas sua arte, sempre imensa, é a maior herança que podemos oferecer a quem vier depois de nós. O planeta sem Beethoven não vale a pena.