EU E MEUS FANTASMAS

Conviva bem com seus fantasmas, fale com eles. Não falo "fantasmas" no sentido bobo. Não são meus traumas ou feridas, falo de fantasmas mesmo. Todos nós os temos. Uma das tolices do século e negar sua verdade. Por medo ou preconceito contra o passado nós tentamos eliminar nossos fantasmas. Mas eles não se vão, eles não podem ir. Estão ao seu lado. O tempo todo. --------------- Nossos fantasmas são todos aqueles que nos construíram, e estou falando fisicamente. Somos a união de todos os que pisaram nesta terra antes de nós. Deixaram sua marca. Então olho a unha do meu dedo e vejo nela meu tataravô. E sei que esse fantasma está aqui. Assim como estarei para quem por mim estará depois. Quando como esta maçã sei que estou comendo a fruta que minha bisavó comeu. E ao mancar, levemente, estou andando o passo de meu tio avô. Eu amo o azul do modo amante daquele Moraes que viu um azul em 1790. E sou um bicho do mato como o foi um Cristo em terras de Bragança por volta de 1420. Meus lábios cantam como cantava o José Pires em Viseu, 1900. Me apaixono da maneira Maria do Céu Cristo, em Val-Prados, 1879. Eu e meus fantasmas formamos um mundinho dentro de um mundo. Eu e minha mãe, nesta casa, os alimentamos de atos e de sentimentos. ------------------ Escrevo isto, aqui, e quem escreve é o Manuel das Múrias, o Manel de 1820. Seu espírito está em meus genes e na minha alma, no meu sopro e no meu sangue. Eu escrevo com ele e por ele e ao mesmo tempo eu o ensino. Ouço Vivaldi e seu Magnificat, e assim eu faço um coral com todos eles, com as vozes de todos eles, corações deles. Ergo-me à eles, e eles descem até mim. São vários, mas eu sou único e com eles me acho. Música e escrita numa oração ao todo. --------------- Meus fantasmas e eu.