AR FOGO TERRA ÁGUA, ELEMENTOS E MÚSICA
Eu me divirto com astrologia. Voce deve estar pensando: Como um cara que tenta parecer racional vem falar aqui de uma superstição como essa tolice astrológica? Bem, ela, a astrologia, não tem a menor base lógica, mas nos meus 40 anos de diversão parece funcionar. Ou dizendo melhor, as coincidências se acumulam. Não, não vou discorrer sobre o tema, ando neste ano de 2021 apaixonado por música e assim como na astrologia existem quatro elementos básicos, água, terra, ar e fogo, dá pra dizer que no mundo musical em cada obra há um elemento que é dominante. Eu sei que Bach era do signo de áries, portanto seu signo era do elemento fogo, mas sua música é como terra, terra marrom cheia de pedras, de raízes e com cheiro forte de folhas decompostas. Beethoven é fogo, seja o fogo que consome a lenha, seja o fogo que irrompe do vulcão e dos raios. Mozart é ar. pois ele não só voa como leva o barco adiante. Nunca sólido, ele está em todo lugar. ------------------ Tenho um CD duplo com algumas obras de Maurice Ravel e ao ouvir LA VALSE, mas não só ela, penso em como ele é aquático. Recordo que em 1988, na TV Cultura, 88 foi o grande ano dessa TV, houve um programa sobre a BELLE ÉPOQUE. Não, Ravel não é dessa época, Debussy que é, Ravel veio depois, mas no dito programa, belíssimo, há um episódio, o último, em que se descreve o fim dessa época de luxo e de prazer ( 1890-1914 ). A câmera mergulha em um lago e no fundo desse lago, iluminado por raios de sol que dançam na água, há um bar submerso. Vemos as portas de vidro, as janelas quebradas, agora com peixes, as mesas, os quadros. Creia, é das coisas mais bonitas que vi na TV. O texto, narrado por uma mulher esnobe e um homem bastante afetado, é cheio de imagens poéticas. A Primeira Guerra afundou aquele mundo de calma e de civilidade. --------------------- LA VALSE, como toda obra de Ravel, me faz lembrar dessas cenas. La Valse é, como diz o título, uma valsa vienense, mas Ravel, um dos maiores orquestradores da história, subverte o gênero. Ele desequilibra a valsa, a faz cambalear, o chão falseia. É como um valsa aquática. Entre o ritmo passeiam maremotos, peixes, ondas, marés. É lindo, mas na sequência vem DAFNIS E CHLOÉ, SUITE 2. Aí a coisa pega! Há tanta beleza aqui que o efeito em nosso coração é de torpor. O sol nasce como se fosse o primeiro sol da eternidade. A massa orquestral irrompe, há um coro de vozes distantes, tudo passeia dentro de nosso espírito. Ravel brinca com os sons, são milhares, timbres, tons, harmonias. Uma obra prima do século XX. Oceano que nos afoga e em seguida nos conduz ao sol. ALBORADA DEL GRACIOSO vem em seguida. Mais beleza, rio que não corre, chuva que não chove. Um gota de água do tamanho do universo. --------------------- No segundo CD temos Martha Argerich solo. GASPARD DE LA NUIT é das obras mais famosas de Ravel. A pianista argentina consegue tocar essa obra tão dificil. São miríades de correntes submarinas que se chocam. O piano repercute ao limite. Uma festa para os ouvidos da alma. Depois o Melos Quartet toca o QUARTETO EM FÁ MENOR. O outro lado de Ravel: mistério. Sua obra, imensa, evoca mistérios. A música, forma de arte tão abstrata, é mistério sem solução. O segundo movimento é a consumação. ------------------------ A orquestra é a de Montreal e o regente é Charles Dutoit. Bravo!