CARMINA BURANA - CARL ORFF. O IRRECUPERÁVEL

Carmina Burana foi a primeira obra apresentada por Carl Orff. Era 1937, Frankfurt, e ele tinha já 42 anos. Orff viveria ainda até 1982, mas esta seria para sempre sua obra mais famosa. Neste tempo em que toda nossa cultura corre o risco de ser enterrada, vale a pena ouvir esta que é um dos picos mais altos do século XX. -------------------- No começo do século XIX foi achado em um mosteiro alemão uma coleção de manuscritos medievais. Eram poemas simples, em latim antigo e alemão primitivo, que falavam sobre a roda da fortuna, as mudanças da sorte. Traduzidos, acabaram caindo nas mãos do jovem Orff, filho de uma família de eruditos. Décadas mais tarde ele os musicaria. --------------- Eu jamais escutara esta obra. Conhecia apenas a primeira canção, O Fortuna, usada em comerciais e vários filmes. Consigo um cd da Filarmonica de Berlin, regida por Seiji Ozawa e com dois coros, o Shinyukai e o Domchores Berlin. São 25 canções, uma hora de música, ouçamos... ---------------------- O Fortuna, a primeira canção, claro que me emociona. Mas minha curiosidade pergunta: Orff consegue manter o interesse? Como desenvolver uma obra que parece começar já em seu climax? Então, escutemos...a canção dois.... a terceira.... a quarta.... então vejo: O Fortuna é talvez a menos ótima, Carl Orff compôs uma obra prima. -------------- Primeira impressão: Não é nada daquilo que eu esperava. Não é difícil. Mas também não é simples. É única. As melodias são reconhecíveis, fáceis de aprender, são como temas de cinema, mas ao mesmo tempo parecem primitivas, distantes deste nosso tempo. Modernas e arcaicas. Não são estranhas, mas fazem com que nos sintamos esquisitos. São felizes. Orff compôs uma das mais alegres obras em música. ---------------- No encarte estão as letra em sua forma original e na tradução para o português. Do que falam? Da vida. Da vida pagã. Uma vida que nos é irrecuperável, mas que bravamente, muitos tentaram a vislumbrar. Orff não tenta compor música pagã, primitiva, mas genialmente ele procura tocar em algo de pagão que ainda vive em nós. Daí a alegria. As letras falam de sexo, das estações do ano, dos deuses e da sorte. O homem, joguete do destino, brinquedo nas mãos do tempo, deve amar. Procriar. Nada de romântico aqui. Orff era anti romantismo. É a vida do campo, do bosque, dos sentidos. Não há romance. Há vida. ---------------------- Dies, Nox et Omnia ( dia, noite e tudo ) é a maior das canções. Poucas vezes escutei algo tão bonito. Considere já uma das canções da minha vida. Mas a obra, resplandescente, não tem um só momento menos que brilhante. A orquestra, cheia de percussão, timbres interessantes, é maravilhosa, mas a obra é das vozes, e elas flutuam como névoas em lagos. ----------------- Houve um momento, durante Ego Sum Abbas, que eu olho meu corpo refletido em um espelho que tenho aqui, em meu quarto. O sol do outono entra pela janela amarelando o chão. Algo inefável acontece. Nas cicatrizes dos meus braços, nas rugas em meu pescoço, vejo o que não nomeo. Foi a certeza de que o bosque não está longe porque eu e voce somos partes do bosque. Onde estivermos ele estará. Assim como o paganismo sobrevive em minha carne e meus ossos. --------------------------- Em latim antigo TEDIO significa VERGONHA. Pense nisso...