O ROMANTISMO, ESSA COISA QUE DESTROI O MUNDO INTEIRO

Observar uma pessoa executar o trabalho para o qual ela nasceu. É uma espécie de espetáculo. A vida de uma pessoa, dessas que têm a sorte, a capacidade, a determinação, de trabalhar naquilo que desejam, é plena. Sua vida se justifica e o mais importante, ela não depende da metade de uma laranja. Nem da tampa de sua panela. Ela é, dentro daquilo que nossa vida permite, livre. ----------- Essa condição não impede que ela se case e tenha filhos. Na verdade até ajuda. Mas o tal do amor romântico não é e não será o centro de sua existência. Não sendo assim, ela é livre para ser ela mesma, única. Estou sendo radical? Ora, eu passei 40 anos vivendo dentro da adolescência. Tenho resquícios românticos que serão eternos. Ainda sou bastante infantil. Mas tenho consciência de que existe outro modo de viver. E afirmo ser ele muito, muito mais feliz. ---------- Faz 250 anos, pouco menos, que a praga romântica se instalou no mundo. Desde então, ser adolescente passou da condição de "luta contra o mundo", à "exigência do status quo". Antes, e isso até a segunda guerra mundial, ser adolescente era mal visto. Hoje, ser adolescente é a condição normal para ser aceito. Românticos enfrentavam a sociedade, hoje a sociedade pede que sejamos românticos-adolescentes para sempre. Mais importante que falar do romantismo é lembrar do classicismo. Isso porque voce sabe o que é hoje ser romântico: procurar um amor, ser dono da "sua verdade", não aceitar ordens, crer em alguma religião exotérica, lutar pela igualdade. Não é preciso analisar ou aprofundar nada disso. A ênfase romântica é no SER e nunca no ENTENDER. ----------- O classicismo é a condição adulta da vida. E o planeta internet favorece apenas o lado romântico da alma. A internet pede que sejamos todos pseudo Goethes. Pessoas que saibam um pouco de tudo, que estejam a caça do amor, afirmem seu ego de forma intensa, e principalmente, sejam originais. Cada um com sua obra: um blog, um canal, uma galeria de fotos, contos ou poemas, aventuras. Okay....mas Goethe não nasce em linha de montagem e o alemão era mais clássico que romântico. O que TODOS acabam sendo são adolescentes eternos. Uma alma em construção indefinida, sem prazo para acabar. Obras precisam de material, um adolescente consome. ------------- No classicismo, o mundo que perdeu sua preponderãncia por volta de 1810, ser adulto é a condição natural da pessoa. Antes de Rousseau, o perfeito imbecil, decretar que toda criança é perfeita e de certa forma angelical, tudo na vida era desejo de ser adulto. O menino de 10 anos era um pequeno adulto e a menina idem. Hoje um homem de 50 é um adolescente velho, ou pior, uma criança grotesca. Eu acho que perdemos nesse processo. -------------- Crianças sempre dependem de alguém que tome conta delas. Seja um adulto, seja o estado. E adolescentes nunca sabem quem são e o que desejam. Eis o nosso tecido social. Se tudo hoje parece precário ou fluido, a culpa se deve ao nosso desejo tolo de viver num eterno começo. Ele nos pede apenas uma coisa: "Siga seu coração. Afirme sua verdade pessoal. Procure o amor". Tudo que não seja isso deverá ser inimigo. Sobre esse tipo de vida tenho apenas um cometário: É o inferno! ----------- Adolescentes não conseguem ser pais. Não conseguem seguir ordens. Não sabem onde se situar. Têm uma vaga noção daquilo que desejam e por isso afirmam sempre o que não querem. Acima de tudo não querem responsabilidades. ------------ No mundo clássico o mais importante era crescer. Voce vivia para se fazer sábio. Não sábio no modo indefinido exotérico, mas sábio em termos de know how. O clássico lidava com o mundo sólido, material. Estoico, ele acreditava naquilo que se via, provava, experimentava. Seu desejo era ser adulto o mais rápido possível. Para assim poder saber. Mesmo quando esse ser se envolvia com magia ou bruxaria, o objetivo era entender um mistério. O ser humano de 1750 foi o mais perto do ser adulto que chegamos. Imperfeito, óbvio, mas foi o menos infantil. O amor era para ele um jogo, desejo sexual disfarçado em comvenção social. O casamento era uma forma de ter e criar filhos. Por isso estranhamos quando lemos poesia pré romantica. Há pouca, ou nenhuma ênfase no amor. A vida tem outros interesses maiores, o principal sendo "a sociedade". Não há a afirmação do EU contra TODOS. A coisa é EU em meio ao TODO. Não há enfrentamento e recusa, há JOGO e VITÓRIA. Ou uma terrível derrota. ----------------------- A atual pandemia está sendo enfrentada como pavor infantil. É uma das heranças românticas. Não quero encarar a verdade. Não quero aceitar a natureza. Que se cuide de mim!!!!! Romantismo que virou filme da Disney. Médicos super sábios de série de TV. --------------- Pensei tudo isso ao escutar suítes de Bach. Na interpretação de Sir Neville. Não há como escutarmos Bach do modo certo. Sempre o veremos como "um artista", e artista é para nós um "romântico", um tipo de ser especial. Bach era um trabalhador que trabalhava muito. Estudava seu ofício e tinha filhos. Bach precisava de dinheiro. Bach ganhava dinheiro. Suas músicas eram encomendas. " Bach, preciso de uma missa para o dia de São José", "Bach, preciso de uma suíte para um jantar que darei dia 30", "Bach, faça uma peça para que eu treine meus dedos ao piano". E Bach fazia. Ele não está expressando seu EU, ele está trabalhando. Ironia das ironias, faz 150 anos que ele é considerado o número um. Bach acima de todos. Depois Mozart e Beethoven. Haydn e Brahms. O resto varia. O sexto já foi Wagner. Já foi Schubert. Hoje é Mahler. ------------------------ Como Bach reagiria ao ser chamado de o maior? Provável que beberia vinho e pensaria: Obrigado Deus pelo dom do trabalho bem feito. ---------------- Mozart se soubesse ser um dos cinco maiores iria rir e dizer: eu agradeço! Mas....voce poderia me arrumar umas 2000 peças de ouro?.--------- Beethoven falaria: Eu sempre soube que era o maior. E eis aí o começo do romantismo. -------------- Para encerrar, tudo o que disse acima não se aplica ao povo mais pobre. Assim como eles nunca foram clássicos, não têm adolescência típica. Sonham em ter, mas ela é podada. A tragédia dos pobres é que hoje são dirigidos por uma elite infantilizada. Gente que crê no ideário romântico. "O que importa é minha verdade", lembram? ------ Crianças não dão bons pais.