O MITO DO CINEMA FRANCÊS TEM 85 ANOS E CONTINUA FALANDO A VERDADE
Atores de Hollywood de 2021 falam sempre o mesmo press release. Basicamente é uma mistura de Al Gore com frases de auto ajuda. Impressiona como mesmo um cara que teve uma vida interessante, tipo Robert Downey Jr, é impedido de falar qualquer coisa que saia do lugar comum made in LA. Charlie Sheen está censurado e Jack infelizmente está senil. Isso ainda não ocorre na velha França, país que deu origem aos maiores idiotas da história, mas que por outro lado também é berço de alguns dos melhores entre os melhores. Alain Delon tem 85 anos e deu entrevista à Paris Match. Falou o que quis e não foi criticado por isso. ------------------------------ Ele começa dizendo que viver não vale mais a pena. ( Inimaginável algum Benedict da vida dizer isso ). O mundo se tornou um lugar onde todos falam e fazem a mesma coisa. Criticam tudo, se ofendem por tudo, deduram todo mundo, vigiam e punem. O ser humano nunca foi tão pobre, tão sem segredos, tão vazio de interesse. ( Estou repetindo o que Delon falou ). Morrer não me causa dor alguma, pois não sinto qualquer apego às pessoas. Os que valiam a pena se foram. Minha única paixão é meu cão, e já pedi ao meu veterinário para o executar quando eu morrer. Não quero que ele sofra minha ausência. Conheci sexo, muito sexo, mas nunca amor. Fui abandonado pelos meus pais aos 4 anos de idade, vivi com a sensação da rejeição. Sabia ser amado, mas não conseguia acreditar no amor. ----------------------------- Agora falo eu. Tenho quase 60 anos e já entendo o que Delon diz. Saio com uma menina de 23, pode criticar se quiser, e sinto pena dela. Falta alguma coisa nela e sei que ela não pode perceber isso. Quanto a mim, morrer se torna cada vez menos doloroso. Não me interessa viver em um mundo que nega tudo que faz a vida ter algo de encantador. ----------------------------- Alain Delon é o maior nome da história do cinema francês. Jean Gabin fica em segundo. Foi o homem mais bonito a enfeitar as telas e também foi um grande ator. A ÚLTIMA NOITE DE TRANQUILIDADE é sua mais sublime atuação. Mas ele teve a sorte de viver no tempo de Visconti, Clement, Antonioni, Goddard, Melville....ele filmou com todos eles, posso não gostar de alguns, mas sei que todos estão na memória cósmica do cinema. A presença de Delon era dura. Corso, ele tinha o ar de mafioso do lugar. Mesmo fazendo papeis de gente boa, sentíamos que havia algo de ruim nele. A beleza como maldade, em Delon, tem seu maior representante da ala masculina. Uma versão macho da Vamp. O SAMURAI, outro grande papel, só podia ser feito por ele e com ele. Não gosto de ROCCO, mas em O LEOPARDO, sentimos que Visconti, apaixonado por Delon, vê nele a crueldade da juventude. Voces que têm menos de 50 anos não fazem ideia do quanto ele foi famoso. Basta dizer que Alain Delon era gíria para homem bonito. --------------------------- Penso que todo velho tem esse estranhamento pelo tempo. É parte da riqueza de viver. Mas agora, em meio a tão grande mudança, tempo em que a própria condição humana é colocada como passível de mudança, o estranhamento é mais radical, absoluto. Morrer não é rejeitar o mundo, é perder interesse por ele. Delon está vivo pois tem raiva. Somos companheiros.