A SOLIDÃO DE PHILIP MARLOWE....

Acabo de ler A IRMÃZINHA, de Raymond Chandler. Dá quase pra chamar de obra prima. Acha que estou exagerando? Okay, então vou chamar este de um livro quase perfeito. Melhor assim? Mas me deixe te explicar o porque de ter chamado este romance policial de obra prima. Dizem que os grandes livros definem uma época. Se voce quer saber exatamente como era a Londres de 1830 leia Dickens. Se quiser conhecer a mente da Espanha dos descobrimentos, leia o Quixote. John Updike define em Rabbit os USA que geraram a contra-cultura e os livros de Sherlock Holmes mostram a era vitoriana. Bem....Chandler define o mal estar da América pós segunda guerra. E A Irmãzinha é provávelmente seu livro mais duro. Não por ser o mais violento, mas por ser aquele onde mais sentimos o grande mal que mora dentro de Marlowe, a solidão. Philip Marlowe é daqueles seres que existem apenas dentro do trabalho. Aqui ele tem consciência plena disso: ele está só. Totalmente só no mundo. Fora do trabalho, fora do contato com policiais e bandidos, nada mais há para ele. Marlowe não tem amigos, não lembra mais como se relaxa, e nunca se diverte. Ao contrário do Sam Spade criado por Hammett, Marlowe tem desejo sexual, muito, ele flerta com toda mulher que surge em seu caminho, e seu flerte é brutal, direto, sem romance, mas, assim como o whisky e o fumo, sexo para ele não é prazer, é necessidade. Física. Gente como Genet, Sartre ou Beckett gastaram milhares de frases para elaborar a sujeira e a falta de rumo do animal humano, Chandler faz isso sem nenhum esforço e em apenas duas linhas. Marlowe é um existencialista, mas um do único tipo que podemos levar a sério: aquele que o é sem o saber. Este livro tem cenas perfeitas passadas em Hollywood, a meca podre do cinema, que já nos anos 40 esbanjava sexo, drogas e futilidade vergonhosa. Hollywood que poluiu depois, via TV, a música, o teatro, a vida comum e a vida literária. Sexo, drogas e futilidade abjeta para a casa de todos. Marlowe odeia tudo isso. Um puritano na verdade, ele abomina as mulheres fáceis, as mentiras, o jogo dúbio da polícia, a sujeira de L.A. Tem saudades da velha Los Angeles, antes de Hollywood, a cidade de casas distantes, do deserto e do silêncio. Dá quase pra sentir pena de Philip Marlowe. Raymond Chandler era grande. Sabia do que falava. Ele foi contratado pela Paramount para fazer roteiros. Passou meses ganhando muito para fazer nada. O único roteiro que ele fez e gostou foi para Hitchcock, Strangers on a Train. Hitch também era um Marlowe na vida; puritano, solitário e sem lugar. A diferença é que Hitch levava o puritanismo a sério, não bebia, comia, não transava, sublimava. Chandler, com dinheiro do cinema na mão, caiu na gandaia. Enfim....leia o livro.