O SALÁRIO DO MEDO - HENRI GEORGES CLOUZOT

Clouzot deixou um filme inacabado chamado O Inferno. Era uma produção com Romy Schneider e falava sobre o ciume. Revi O SALÁRIO DO MEDO e não seria mal se seu título fosse O Inferno Tropical. Clouzot era o cineasta do mal, daquela maldade que destroi lentamente, que derrete e corrompe, que faz suar. Porém, grande cineasta que é, Clouzot nos dá ao mesmo tempo beleza estética, ação e grande tensão. Ele era chamado de o Hitchcock francês. Nada a ver. Hitch, gênio sempre, era frio, gelado, e sempre bem humorado. Mesmo Psycho pode provocar risos. Clouzot não. Ele é francês demais. Seus filmes são falados. Apesar de visualmente impressionantes, seus diálogos são afiados. Quatro homens europeus vieram para a América do Sul. Guiana? Venezuela? Não sabemos. O calor é opressivo. Sentimos a temperatura das cenas. Planície vazia, poeira, bichos famintos, bebida barata, cobiça, suor, muito suor, vazio absoluto. Esses europeus não têm como voltar a seu lugar. O filme nos lembra da miséria europeia do pós guerra. Os que partiram, muitos, e se deram mal. Há uma refinaria americana. Única falha do filme: à moda da época, o americano é unidimensional. Caricato em uma obra que tem personagens ricos. Fogo no poço de óleo. Alguém deve transportar nitroglicerina. Trabalho arriscado. Velhos caminhões, eles partem. Sonham com a volta pra casa. Volta pra casa? Inferno? Sim, o filme é uma tese niilista. Dostoievski era moda na França de 1952. Poucos filmes exibem o mundo do russo de forma tão cinematográfica. Yves Montand é o único que chega ao destino. Mas, de certo modo, é o maior perdedor. Ele volta como um trapo. E terá a cena do fim. Charles Vanel é um velho covarde. Medo e frases chorosas. Ele sente o absurdo da estrada. Peter Van Eyck é o alemão que foi vítima do nazismo. E Folco Lulli um italiano tuberculoso. São todos derrotados. Cenas que se gravam na alma: o sopro que apaga o fósforo e revela a explosão. O petroleo que afoga Vanel. A ponte que se despedaça. A cena final que não irei contar. Os caminhões, tipos de animais velhos, surrados, nas últimas forças. O filme é forte. Sabe o que é um filme forte? É aquele cujas cenas chegam como porradas e ficam em voce como cicatrizes. Filmes experiências. Há algo de Bogart em Montand. Há algo de SIERRA MADRE aqui. A fome. O fim do mundo. O calor. Eis um dos maiores filmes da história.