VAMOS FALAR DE ERROL FLYNN

   20 de junho é aniversário de Errol Flynn e eu vou falar um pouco desse ator.
   Ele foi o maior nos anos 30, e hoje está bem mais esquecido que Cary Grant ou Bogey. Não vou dizer que ele foi maior que qualquer um dos dois, James Stewart, Gary Cooper e Clark Gable são mitos maiores. Merecidamente. Mas mesmo Cary Grant, dono de uma vida fascinante, não tem uma biografia mais rica que a dele. Tristemente eu constato que a campanha feita contra Flynn nos anos de guerra surtiram efeito. Até hoje.
   Errol Flynn nasceu na Tasmânia. Cresceu se exercitando. E tudo indica que se tornou ator apenas por acidente. Fez um filme na Austrália, gostou da coisa, e foi para Hollywood pra ver o que acontecia. Rapidamente foi contratado pela Warner e sem sequer fazer uma ponta, estreia como big star em Capitão Blood. Só Audrey Hepburn teve um começo tão por cima. De repente Flynn era maior que James Cagney.
   Durante oito anos ele foi um dos cinco grandes do cinema. Grant, Cooper, Gable, Stewart e Cagney.  Mas, ao contrário dos outros, que esticaram sua fama pela década de 40 e até 50, Flynn teve uma súbita e fulminante queda a partir de 1944-1945. Humphrey Bogart toma seu lugar entre os cinco grandes, e essa mudança faz todo o sentido.
   Muita gente já disse que os anos da segunda guerra mudaram o cinema americano muito mais do que se fala. Diretores e atores serviram no front, e ninguém vai à guerra e volta o mesmo. George Stevens, Frank Capra, Howard Hawks, Leo McCarey nunca mais fazem o tipo de filme que faziam nos anos 30. E os atores mudam também. Humphrey Bogart é a cara dos novos tempos: feio, seco, frio, duro, feito de aço. Subitamente, James Stewart e Clark Gable parecem saltar anos e se transformam em adultos perdidos. Gary Cooper deixa de fazer comédias e aventuras, se estabiliza como o americano calado. James Cagney se afasta do cinema por anos. Cary Grant envelhece e se torna um tipo de tio boa vida. Todos parecem menos juvenis, mais comprometidos com algum tipo de realidade, não há mais espaço para o glamour e o escapismo surreal dos anos 30. Errol Flynn não muda. Mesmo nos filmes de guerra, e ele fez um dos melhores, Objetivo Burma!, ele permanece o cara dos anos 30. Suave. Nada agressivo. Bons modos. Urbano. O olhar é de quem quer ser amigo, a voz, inconfundível, é polida, educada, em tom baixo, sempre a beira do sorriso. Percebo agora que não há ator mais oposto a Bogart que ele. Bogey era chumbo, Flynn era uma brisa, Bogey era pouco ou nada atlético, Flynn era um modelo de nadador, Bogey falava como quem cospe, Flynn falava sorrindo. Bogey era anos 40. Flynn, assim como William Powell e John Barrymore, anos 30.
   Mas a queda foi grande demais e não apenas uma mudança no gosto explica isso. A vida pessoal de Errol Flynn o sabotou. Ele bebia, ele fazia muito, muito sexo, e ele se achava imortal. Brigou com a principal colunista de Hollywood, ela começou uma campanha de difamação, ele não se ajudou, e em dois anos ele já era passado. De superstar passou a Quem?
   Flynn se casou um monte de vezes e nenhum durou muito. Seu último casamento foi com uma fã e jovem estrela ( menor de idade, o que não o ajudou nada ). Foi nos braços dela que ele morreu do coração, em 1958, ainda com menos de 50 anos, mas parecendo ter mais. Ironicamente, no fim da vida ele se tornara um ótimo ator. Como coadjuvante ele brilha em O Sol Também se Levanta, roubando o filme de Ava Gardner e Tyrone Power, e fez ainda um filme com John Huston, Raízes do Céu, onde ele é a melhor coisa. Mas a bebida não lhe deu uma chance. Sua turma nos áureos tempos tinha a nata dos bêbados de Hollywood, seu modelo era John Barrymore.
  ( Há uma história de que Barrymore quando morreu teve o corpo roubado por Flynn. Ele levou o corpo à casa de David Niven. Colocou o corpo à lareira com um copo na mão. Niven ficou horas conversando com Flynn e Barrymore até notar que ele estava morto ).
  Andei vendo alguns filmes de Errol nestes dias. Robin Hood. Westerns. Burma. É impressionante como ele é soft. Mesmo em seus filmes de pirata, ele nunca parece bruto ou agressivo. Ele vence por lutar bem, não por ser forte. É leal. É um desportista. Nos westerns, ele fez vários, ele nunca vence por atirar bem. Ele vence por falar bem. É um cowboy educado. Gentil. E que usa artimanhas. Eis uma boa palavra: Flynn é manhoso. E vence com prazer. É a definição do savoir faire e do joie de vivre.
  Não houve e não há ator que tenha conseguido seguir sua estrada. Todos que tentaram não vingaram. Stewart Granger foi o que chegou mais longe. Johnny Depp tentou a vida toda. E errou miseravelmente. A mistura de suavidade com humor, educação com charme, heroísmo leal, bem...se já parecia estranha em 1948, imagina em 2020.
  Sempre que voce vir em um filme algum herói sorrir enquanto briga, fugir da violência se possível, emitir palavras como se fossem miados, e erguer as sobrancelhas ao ver toda e qualquer mulher, isso é o Flynn Style. Ele não se impõe, ele rodopia. Ele não ameaça ninguém, ele tece teias.
  Seria fantástico ver um filme onde Flynn e Cary Grant estivessem juntos. Isso nunca aconteceu. Talvez porque seria um filme tão leve que se desmancharia em luz.