Meu pai nasceu em 1926. No norte de Portugal. Mundo sem rádio, sem Tv, claro, sem cinema. Nunca iremos entender a mente de alguém que não cresceu vendo imagens de New York, do Japão ou de um avião sobrevoando o mar. Sem essas tecnologias, o mundo dele era um universo de ouvir falar. Ele nunca vira uma girafa ou um prédio com 10 andares até ir à cidade do Porto, já aos 18 anos. É um tipo de mente onde sua vila é o mundo inteiro. Onde pessoas da família são muito maiores do que podemos hoje sequer imaginar. Não havendo o escape do "mundo vindo até nós", o mundo é aquilo que podemos tocar e cheirar. As 200 pessoas da aldeia são o planeta inteiro.
Meu pai tinha 18 anos em 1944. Fosse russo ou alemão teria lutado na guerra. Nesses países, vivendo no desespero da invasão, meninos de 15 anos já eram convocados. Tivesse nascido lá, eu provavelmente nunca teria nascido. Na aldeia dele a segunda guerra era coisa mais distante que o Rio ou SP. Entre ele e os aliados ou os nazis havia uma Espanha de distância. E para o jovem meu pai, uma Espanha equivalia a Saturno para mim em 2020.
Quando veio para o Brasil ele tinha 24 anos. Era 1950 e fazia duas semanas que o Brasil perdera a Copa em casa. Ele andava pelo Rio impressionado com duas coisas: negros e a quantidade de carros. Meu pai nunca vira um negro na vida. E em Lisboa não havia a confusão de ruas e bondes que havia aqui. Ele logo veio morar em São Paulo, na Barra Funda, e se espantara com a imensa distância entre SP e Rio. Amigo era seu primo, que cruzara o oceano cinco anos antes. E na solidão de trabalho e casa, meu pai se apaixonou pelo cinema. Nas ruas e avenidas, São João, Ipiranga, São Bento, ele iria assistir até 3 filmes por dia, em um tempo em que se lançavam até 20 filmes novos por semana na cidade. MGM e Paramount, Fox e Warner, Columbia e Universal, esses logos e marcas eram suas guias. Como todo frequentador de filmes, ele sabia que cada companhia tinha um tipo de produto. Meu pai evitava musicais e filmes de "mulher". Ele amava faroestes e filmes de ação, filmes de "homem". John Wayne, Burt Lancaster, James Stewart e Kirk Douglas eram seus atores favoritos. Se os filmes fossem com eles, ele comprava o bilhete. Nunca se arrependia. Um ator era o filme.
Quando nasci meu pai tinha 36 anos. Ele torcia pelo Santos de Pelé e morava no Caxingui, o melhor bairro do mundo porque é o bairro onde eu nasci. O Caxingui era uma festa feita de riachos, ruas de terra e áreas vazias. Foi minha aldeia durante meus primeiros dez anos. Até hoje é meu Valhala e meu Camelot. TV eu via desde sempre, rádio sempre ligado, mas mesmo assim era meu bairro meu universo. California e Japão eram no Caxingui. Ultraman, Speed Racer e Rin Tin Tin viviam por lá.
Esqueci de dizer que em SP meu pai se espantara com os japoneses. Que raça era essa que ele nunca vira? Para mim, o Caxingui era núcleo de japas, o Japão era aqui. Eu achava que em todo o Brasil 60% das pessoas eram do Japão.
Estou escrevendo isto porque não me sinto velho. Mas na minha fase de auto avaliação, sei que começo a me distanciar do futuro. Meu pai tinha a idade que tenho hoje em 1984. E como acontece comigo, um certo tipo de filme de 1984 não o interessava mais. Assim como eu, ele não se via mais em atores típicos da época. Assim como pouco me importa quem é o ator que fez Freddie Mercury ou quem ganhou o Oscar este ano, meu pai pouco ligava para William Hurt ou Kevin Kline, os atores da moda em 1984. Ghostbusters ou Amadeus lhe eram indiferentes.
Estarei eu me alienando? Será?
Mas então lembro de uma coisa: meu pai amava os filmes de Mel Gibson. Eddie Murphy. Stallone. Arnold. Bruce Willis. E eram esses, e não Al Pacino, os John Wayne e Kirk Douglas de 1984. Assim como em 1960 meu pai pouco ligava para Marlon Brando ou Laurence Olivier, em 1984 ele pouco se lixava para Robert de Niro ou Woody Allen. E eu nisso?
Se não me vejo no novo ator frágil de Hollywood ou na nova atriz da Espanha, é porquê esse é meu gosto e não sinal de envelhecimento. Um ator da escola de Steve McQueen ou Clint Eastwood sempre vai me impressionar. E se neste ano há poucos nesse estilo, o problema é da moda e não meu.
A queda de meu interesse em cinema atual é um enjoo. Os filmes, em sua maioria, não são feitos para mim. A entrega do Oscar exibe gente que não gosto. Gente que eu jamais convidaria para uma viagem. Ou mesmo um café. Isso não ocorre porque estou velho. Isso ocorre porque eles são da velha escola James Dean: ambíguos sexualmente e infelizes afetivamente.
Meu mundo não está nesses filmes que hoje ganham festivais e o hype da crítica. Eles são aqueles que passam ao lado. Alguns superam recordes de bilheteria, mas não entram nas listas de melhores do ano e definidores deste tempo. São os filmes de Charlton Heston de hoje, outro ator que meu pai adorava.
Não me sinto velho diante do cinema de 2020. Sinto que os filmes ficaram modorrentos. Chatos. Assim como com o rock, são jovens envelhecidos aos 20 anos fazendo coisas que nos convidam a querer morrer.
Tou fora baby.
Meu pai tinha 18 anos em 1944. Fosse russo ou alemão teria lutado na guerra. Nesses países, vivendo no desespero da invasão, meninos de 15 anos já eram convocados. Tivesse nascido lá, eu provavelmente nunca teria nascido. Na aldeia dele a segunda guerra era coisa mais distante que o Rio ou SP. Entre ele e os aliados ou os nazis havia uma Espanha de distância. E para o jovem meu pai, uma Espanha equivalia a Saturno para mim em 2020.
Quando veio para o Brasil ele tinha 24 anos. Era 1950 e fazia duas semanas que o Brasil perdera a Copa em casa. Ele andava pelo Rio impressionado com duas coisas: negros e a quantidade de carros. Meu pai nunca vira um negro na vida. E em Lisboa não havia a confusão de ruas e bondes que havia aqui. Ele logo veio morar em São Paulo, na Barra Funda, e se espantara com a imensa distância entre SP e Rio. Amigo era seu primo, que cruzara o oceano cinco anos antes. E na solidão de trabalho e casa, meu pai se apaixonou pelo cinema. Nas ruas e avenidas, São João, Ipiranga, São Bento, ele iria assistir até 3 filmes por dia, em um tempo em que se lançavam até 20 filmes novos por semana na cidade. MGM e Paramount, Fox e Warner, Columbia e Universal, esses logos e marcas eram suas guias. Como todo frequentador de filmes, ele sabia que cada companhia tinha um tipo de produto. Meu pai evitava musicais e filmes de "mulher". Ele amava faroestes e filmes de ação, filmes de "homem". John Wayne, Burt Lancaster, James Stewart e Kirk Douglas eram seus atores favoritos. Se os filmes fossem com eles, ele comprava o bilhete. Nunca se arrependia. Um ator era o filme.
Quando nasci meu pai tinha 36 anos. Ele torcia pelo Santos de Pelé e morava no Caxingui, o melhor bairro do mundo porque é o bairro onde eu nasci. O Caxingui era uma festa feita de riachos, ruas de terra e áreas vazias. Foi minha aldeia durante meus primeiros dez anos. Até hoje é meu Valhala e meu Camelot. TV eu via desde sempre, rádio sempre ligado, mas mesmo assim era meu bairro meu universo. California e Japão eram no Caxingui. Ultraman, Speed Racer e Rin Tin Tin viviam por lá.
Esqueci de dizer que em SP meu pai se espantara com os japoneses. Que raça era essa que ele nunca vira? Para mim, o Caxingui era núcleo de japas, o Japão era aqui. Eu achava que em todo o Brasil 60% das pessoas eram do Japão.
Estou escrevendo isto porque não me sinto velho. Mas na minha fase de auto avaliação, sei que começo a me distanciar do futuro. Meu pai tinha a idade que tenho hoje em 1984. E como acontece comigo, um certo tipo de filme de 1984 não o interessava mais. Assim como eu, ele não se via mais em atores típicos da época. Assim como pouco me importa quem é o ator que fez Freddie Mercury ou quem ganhou o Oscar este ano, meu pai pouco ligava para William Hurt ou Kevin Kline, os atores da moda em 1984. Ghostbusters ou Amadeus lhe eram indiferentes.
Estarei eu me alienando? Será?
Mas então lembro de uma coisa: meu pai amava os filmes de Mel Gibson. Eddie Murphy. Stallone. Arnold. Bruce Willis. E eram esses, e não Al Pacino, os John Wayne e Kirk Douglas de 1984. Assim como em 1960 meu pai pouco ligava para Marlon Brando ou Laurence Olivier, em 1984 ele pouco se lixava para Robert de Niro ou Woody Allen. E eu nisso?
Se não me vejo no novo ator frágil de Hollywood ou na nova atriz da Espanha, é porquê esse é meu gosto e não sinal de envelhecimento. Um ator da escola de Steve McQueen ou Clint Eastwood sempre vai me impressionar. E se neste ano há poucos nesse estilo, o problema é da moda e não meu.
A queda de meu interesse em cinema atual é um enjoo. Os filmes, em sua maioria, não são feitos para mim. A entrega do Oscar exibe gente que não gosto. Gente que eu jamais convidaria para uma viagem. Ou mesmo um café. Isso não ocorre porque estou velho. Isso ocorre porque eles são da velha escola James Dean: ambíguos sexualmente e infelizes afetivamente.
Meu mundo não está nesses filmes que hoje ganham festivais e o hype da crítica. Eles são aqueles que passam ao lado. Alguns superam recordes de bilheteria, mas não entram nas listas de melhores do ano e definidores deste tempo. São os filmes de Charlton Heston de hoje, outro ator que meu pai adorava.
Não me sinto velho diante do cinema de 2020. Sinto que os filmes ficaram modorrentos. Chatos. Assim como com o rock, são jovens envelhecidos aos 20 anos fazendo coisas que nos convidam a querer morrer.
Tou fora baby.