HAROLD BLOOM E WOODY ALLEN, A MORTE MORRIDA E A MORTE EM VIDA.

   Na antiguidade grega quem ia contra o senso comum era condenado ao ostracismo. Tipo de morte em vida, o cidadão grego era expulso da cidade e seu nome era esquecido. Nada mudou. Apenas o senso comum flui em ondas de acordo com a maré da década. Oscar Wilde foi perseguido por deixar ser exposto seu caso com Bosie, Ezra Pound por defender Mussolini. Hoje, divididos que somos em pequenas tribos virtuais, somos perseguidos pela tribo X enquanto a tribo Y nos adora. No mundo da arte, digamos que seja a tribo W, há um libertarismo limitado. Voce pode ser gay. Voce pode ser comunista. Voce pode ter uma religião oriental. Mas por favor, não venha defender a civilização ocidental branca hetero do século XX. Voce será exorcizado.
 Woody Allen, como todo homem criativo, é uma alma complicada. Não tenho certeza de nada do que ele faz entre 4 paredes, mas sei que tipo de arte ele fez. E sei qual o alvo de seu humor. Ele sempre defendeu a mulher liberal, democrata, pós feminismo. Sempre amou o intelectual da universidade, o cara culto e neurótico. Em seus filmes não há o menor traço de ranço racista, de machismo ou de violência. O que ele nos dá é um mundo civilizado. Talvez, para os tempos de hoje, civilizado demais.
 Se ele seduziu sua enteada, pouco me importa. Me importaria se houvesse qualquer sinal de estupro ou de dor. Não é o caso. Eles se casaram e parece que viveram bem por vários anos. O que não é o caso da ex, Mia Farrow. Mas também não posso falar de Mia. Tudo que sei é que ela nada produz em arte e só foi grande ao lado de Woody Allen.
 As pessoas não se contentam mais em absorver arte e fruir cultura. Elas querem saber tudo. E acham, como diria Paulo Francis, "de forma Jeca", que a vida pessoal do outro é podre e a delas mesmas é "democrática". Meryl Streep se tornou uma ditadora "do bem", e o Oscar é hoje um ridículo "clube dos diversos que são todos iguais". Woody Allen é perseguido por ter sido simplificado. Ele é visto por esses míopes coloridos, como apenas um "macho abusivo". Então posso dizer que Oscar Wilde era somente uma bicha engraçada, Henry James um frustrado esnobe e Paul Gauguin um pedófilo colonialista.
  Não há personalidade grande sem grandes "pecados". O artista do bem é um banana. Todos têm alguma tara, todos são egoístas, todos são esquisitos. Inclusive os artistas negros, mulheres, do terceiro mundo.
  Em 1920 Fatty Arbuckle era o comediante mais famoso do mundo. Mais que Chaplin ou Keaton, ele era o cara. Aqui no Brasil ele era conhecido como Chico Boia. Acusado de estupro, por uma menor, ele foi a tribunal, condenado, e morreu pobre e esquecido. No auge dos dvds, seus filmes nunca foram reavaliados. Nesse caso concordo. Ele foi um criminoso julgado e condenado. Fez um ato de violência real. Repugnante. Não foi condenado por não fazer parte do senso comum ou por falar algo que foi contra o esperado óbvio. O caso é diferente. É penal.
  O futuro esquecerá o homem Woody Allen e apreciará o liberalismo humanista de filmes como Manhattan e Annie Hall. Acontecerá com ele o que ocorre com TS Eliot ou Nabokov: a arte deles é tão boa, que por mais que os juízes do bem gritem, eles não podem ser esquecidos.
  Harold Bloom foi um dos primeiros a alertar o mundo sobre a ditadura do politicamente correto. Ele já em 1989, dizia que se dava mais valor a uma pintora mexicana tetraplégica por ela ser mulher e doente, e não por pintar melhor. Que Sylvia Plath era um mito por ser esposa de um suposto machista egoísta, Ted Hughes, e não por ser melhor poeta que o marido ( Ted Hughes é bem melhor ). Havia e há até o delírio de se achar que a força criativa era Zelda Scott e não Scott Fitzgerald ( qualquer bobo sabe que Zelda prejudicou a escrita de Scott ). Bloom teve a coragem de dizer o óbvio: que se julgue a obra pelo que ela é concretamente e não pela alma inocente ou não de quem a construiu. Nelson Rodrigues estaria esquecido se fosse americano. E aqui? Já está?
  Dante está sendo esquecido por ser apenas um macho europeu, além do que católico, e há idiotas dizendo seriamente que Shakespeare era mestiço, gay e fumava maconha. ( Juro que li isso ). Será que Cervantes era um asteca perdido na Espanha?
  Recentemente uma revista inglesa publicou os 50 poetas mais importantes da língua inglesa. Esqueceram William Blake. John Donne. E injustificadamente, John Keats ( ??? ) e John Milton ( !!!!! )...em compensação havia uma enorme quantidade de mulheres negras "oprimidas"...Elas são boas poetas? Não posso julgar pois não as li. São mais relevantes que os quatro homens citados? Deixo que voce pense sobre isso. A boa nova é que choveram cartas defendendo John Keats.
  Bloom morreu velho e fora de moda. Woody Allen está vivo e fora de questão. E eu não ligo pra isso. A arte é bem mais forte que o tempo. Ela vencerá.