AVICENA E O DIA DOS MORTOS.

   A questão que encerra o curso é: De onde vem nossa inteligência, nossa consciência e nosso saber. Eis a base de toda filosofia. Três modos de pensar respondem essa questão: A consciência vem do alto e flui para dentro de nós. Ela nasce conosco e olha o mundo. Ou uma terceira via, que é a de Avicena: ela vem de fora, entra em nós e retorna ao cosmo. Não aceito nenhuma das três, e possivelmente, eu, como voce, partiremos desta vida sem saber.
  Avicena se intrigava com a mecânica do olhar. O que nos faz reconhecer uma flor como parte do reino das flores. O particular como uma fração do universal. O que faz com que reconheçamos o que vemos como O Real. Isso era para ele a inteligência primeira.
  O que me inquieta é não saber como se processa o que faço agora. Um bocado de sangue e carne estar neste momento consciente de si mesmo. E produzindo abstração. A criação do mundo dos números é um fato inescrutável.
  Estou agora aqui. Ali eles estão. Eu sei que esse ele não mais está ali. Pois se ele era apenas máquina, essa máquina deixou de funcionar. Pior ainda, enferrujou e apodreceu. Por outro lado, se ele tinha alma, luz, energia, pensamento cósmico, o que seja, ele também não está aqui, pois seu corpo seria apenas o rádio e não a onda que traz o som. Mas eu, nós, vamos ao cemitério e ficamos aqui. Olho a lápide.
  Fecho os olhos e ouço: pássaros cantam, vozes ao longe, vento nas folhas, minha respiração, passos. Abro os olhos e vejo: folhas no alto, sombra, grama, uma linda mulher, uma família de Quero-Quero. Fecho os olhos e sinto: vida ao redor. Vida dentro de mim. Vida neles. Vida nos passarinhos. Vida exercendo seu poder.
  Paz absoluta então.