O GÊNIO DA HORA CERTA.

   Observe: em 1770, quando Mozart e outros muitos mais escreviam suas operas, não havia cinema. Óbvio, mas quero destacar isso. Mozart, e depois Rossini, operavam dentro da diversão-arte dominante de sua época. Havia circo. Havia teatro. Havia literatura. Mas a ópera era a rainha da noite.
  Agora pense em 1850. Na Europa o analfabetismo começa a ser erradicado ( na Inglaterra fora já há 50 anos ). Em casa não existe rádio. Nem disco. Você lê. Eis porque se escreve tanto no século XIX. Jornal, revista, romance, poema, filosofia, folhetim. A palavra impressa reina absoluta. Destaco isso porque é essa a explicação pragmática, objetiva, lúcida, do porque jamais teremos outro Tolstoi, Dickens ou Balzac. Produziremos Updikes, Roths e Sebalds, são excelentes, mas nunca mais um grande escritor será o símbolo de seu tempo. Isso porque a própria literatura não mais é o símbolo deste tempo. Entre 1750-1920 mais ou menos, ela foi a ditadora das salas. Veio o rádio, e com ele nasceu o tempo da canção popular.
  Podemos aplicar isso a vários gênios de sua época. Shakespeare trabalhou na grande arte da Inglaterra de 1600: o teatro. Cole Porter e Gershwin na grande arte dos EUA de 1920: a canção popular e o teatro musical. O que digo é: o gênio, hoje, pode estar fazendo teatro em versos, mas pelo fato do teatro em versos não ser a arte deste tempo, ele jamais será um Esquilo ou um Marlowe. Ele será um "quase" .
  Nunca mais tivemos novos Beatles porque eles fizeram seu alarido no curto tempo do rock como febre mundial. Surgiram, por acaso e sorte, no pico da descoberta do adolescente como público alvo. Hoje o rock é apenas um nicho entre inúmeros produtos. Por mais que uma banda tenha talento, ela será apenas uma prateleira e não o supermercado inteiro.
  Entre 1920 e 1950 sair de noite era ir ao cinema. Voce podia ir comer depois, dançar depois, mas ia ao cinema. Porque os filmes eram o modo de se saber como se vestir, do que falar e como seduzir. Veio a TV, ficar na sala de casa voltou a ter o apelo que tivera no século XIX com seus livros, e o cinema começou a se tornar apenas mais um entre vários itens de diversão ou arte. É por isso que Hitchcock, Murnau ou Ford nunca perdem sua aura. Eles, mais que grandes cineastas, são a cara de toda uma época. Radio e cinema era tudo de novo que havia. Sinatra e Bogart. Os reis do mundo.
  Por melhor que Wes Anderson ou Tim Burton sejam, eles são grandes dentro do cinema e apenas do cinema. Porque os filmes não são mais o centro do mundo. Estão na prateleira A82, ao lado do rádio e do circo.
  Pode ser que haja agora um talento tão grande quanto Verdi na ópera. Ou quanto Ben Jonson no teatro. Mas ele jamais poderá ser tão central quanto eles são. Porque esse novo músico ou dramaturgo exerce uma atividade não central.
  Hoje se vê TV, se joga video game, se navega na internet, se lê HQ, se ouve música. Tudo ao mesmo tempo. Nenhuma dessas atividades é central porque todas se completam em um grande ruído. Por isso não adianta se procurar o grande gênio da arte atual. Ele não pode crescer em um meio onde nada cresce de fato. O gênio é um pinheiro, uma faia e hoje temos um matagal fechado, raízes que se devoram e se ajudam.
  Não falarei que o grande talento de hoje está na ciência. Ela sempre foi central. Galileo foi central no tempo da arquitetura e Darwin foi central no do romance. Falo de arte e de diversão. Da vida social. E paro aqui.