Em tempos de Neymar, nada melhor que lembrar da figura do fidalgo. Tipo de homem que na Itália recebeu o nome de "cortesano" e na Inglaterra de "noble man". Esse termo começou a se popularizar por volta de 1520, e popularizar é modo de falar: a literatura cortesã é a mais aristocrática de todas. Se voce quer ler aquilo que um verdadeiro aristocrata leria, o século XVI é seu século.
Antes, em plena idade média, a literatura e as artes variavam entre o popular ( aquilo que nasce das tradições das ruas, das festas ) e a igreja. O povo era religioso, mas a igreja, dentro de suas catedrais e seus mosteiros, não. Daí viria o nascimento das universidades, todas religiosas, e depois das nações, todas começando em um centro universitário. ( ´Portugal não. Nasce antes de todas as outras nações. Portugal, a mais antiga nação europeia, começa no século XII. A consciência de ser francês ou ser inglês só nasce cem anos mais tarde ). Voltemos então ao fidalgo...
Quando a imprensa é inventada, a Europa é inundada por Bíblias. E por livros de cavalaria. No centro de tudo isso, dessa revolução mental e espiritual, nasce a figura do fidalgo, do cortesão. Uma literatura voltada para o aristocrata. Uma literatura contrária ao comerciante, ao padre e ao artesão.
Já naquela época, principalmente na Itália, pessoas mais atentas percebiam que o mundo era do dinheiro, e que o dinheiro era do banqueiro, do comerciante e do navegador. A igreja precisava se aliar ao dinheiro e os reis eram financiados pelo capital. A nobreza, antes símbolo do poder e donos do destino, foram jogados de lado. Se transformaram em testa de ferro da burguesia ou em adereços de desfiles cívicos. Nasce então a literatura que sonha em manter a aristocracia viva. Que já percebe o começo do fim de uma época.
Pense bem. Se o mundo de Deus é dos padres e o mundo da matéria é dos burgueses, o que resta ao aristocrata? A história. O passado. O mundo dos sentimentos puros. O mundo platônico. Mas, como viver e agir dentro desse mundo imaterial? Sendo um homem imaterial. Viver dentro do universo dos símbolos.
Garcilaso de La Vega é um aristocrata exemplar na mais aristocrática das nações, a Espanha de 1550. Nobre, rico, mas sabendo que a fartura minguava, De La Vega é poeta, é soldado, é amante, é viajante, e morre jovem, aos 32, no campo de batalha. Como ele, muitos nobres de Portugal, França, Itália, têm esse mesmo ideal de vida. Viver pelo e para o Amor.
Em Garcilaso só se fala do amor. Em todo lugar, em todo canto, em toda mulher, é o Amor quem surge. O universo existe pelo Amor e por ele se morre. A obra e a vida de um fidalgo é refinada, filtrada, pelo Amor. Um fidalgo existe como ser que ama, todo o tempo. Ele acorda e se prepara para o Amor. Ele se exercita para a luta em defesa do Amor. Suspira por Amor e morre em nome dele. Todas as regras de vestuário, de etiqueta à mesa, de conversação, são criadas para ser um amante vinte e quatro horas por dia. O fidalgo se comporta entre homens, seja numa caçada, seja numa guerra, como se na presença da Amada, sempre. Esse o nascimento do homem nobre, tão ridicularizado a partir do iluminismo. E tão grotescamente exagerado na França de Luis XV e XVI. Como tudo que é humano, portanto imperfeito, o fidalgo com o passar das eras foi sendo facilitado. Tudo o que era mais difícil foi esquecido e o menos penoso, ressaltado. O nobre se torna apenas uma máscara. O espírito da coisa desaparece.
Mas em 1550 está vivo. E ainda se deve não só ser elegante, mas também lutar, defender, arriscar, se sacrificar. E saber conversar, fazer rir e escrever sobre o Amor.
De certo modo a fidalguia destruiu Espanha e Portugal. A casta dirigente se encantou e se platonizou. Nada de mundo real, apenas cartas de amor e batalhas perdidas.
PS: Todo adolescente é aristocrata em algum momento da vida. Nem que seja só por seis meses. Os mais infelizes carregam isso para toda a vida. Mas é uma aristocracia sem elegância, claro, e sem batalhas para vencer ou perder. Uma aristocracia hiper platonizada.
PS2: Nobres davam regras sobre etiqueta e gosto para a burguesia que os invejava. No mundo virtual, todos nos comportamos como nobres. Não admitimos que nos ensinem, queremos ditar. Sabemos tudo e ansiamos por uma corte de seguidores. Cada post é um ato de sedução. Mas NUNCA EM NOME DO AMOR. EM NOME APENAS DO ORGULHO.
Pense nisso.
Antes, em plena idade média, a literatura e as artes variavam entre o popular ( aquilo que nasce das tradições das ruas, das festas ) e a igreja. O povo era religioso, mas a igreja, dentro de suas catedrais e seus mosteiros, não. Daí viria o nascimento das universidades, todas religiosas, e depois das nações, todas começando em um centro universitário. ( ´Portugal não. Nasce antes de todas as outras nações. Portugal, a mais antiga nação europeia, começa no século XII. A consciência de ser francês ou ser inglês só nasce cem anos mais tarde ). Voltemos então ao fidalgo...
Quando a imprensa é inventada, a Europa é inundada por Bíblias. E por livros de cavalaria. No centro de tudo isso, dessa revolução mental e espiritual, nasce a figura do fidalgo, do cortesão. Uma literatura voltada para o aristocrata. Uma literatura contrária ao comerciante, ao padre e ao artesão.
Já naquela época, principalmente na Itália, pessoas mais atentas percebiam que o mundo era do dinheiro, e que o dinheiro era do banqueiro, do comerciante e do navegador. A igreja precisava se aliar ao dinheiro e os reis eram financiados pelo capital. A nobreza, antes símbolo do poder e donos do destino, foram jogados de lado. Se transformaram em testa de ferro da burguesia ou em adereços de desfiles cívicos. Nasce então a literatura que sonha em manter a aristocracia viva. Que já percebe o começo do fim de uma época.
Pense bem. Se o mundo de Deus é dos padres e o mundo da matéria é dos burgueses, o que resta ao aristocrata? A história. O passado. O mundo dos sentimentos puros. O mundo platônico. Mas, como viver e agir dentro desse mundo imaterial? Sendo um homem imaterial. Viver dentro do universo dos símbolos.
Garcilaso de La Vega é um aristocrata exemplar na mais aristocrática das nações, a Espanha de 1550. Nobre, rico, mas sabendo que a fartura minguava, De La Vega é poeta, é soldado, é amante, é viajante, e morre jovem, aos 32, no campo de batalha. Como ele, muitos nobres de Portugal, França, Itália, têm esse mesmo ideal de vida. Viver pelo e para o Amor.
Em Garcilaso só se fala do amor. Em todo lugar, em todo canto, em toda mulher, é o Amor quem surge. O universo existe pelo Amor e por ele se morre. A obra e a vida de um fidalgo é refinada, filtrada, pelo Amor. Um fidalgo existe como ser que ama, todo o tempo. Ele acorda e se prepara para o Amor. Ele se exercita para a luta em defesa do Amor. Suspira por Amor e morre em nome dele. Todas as regras de vestuário, de etiqueta à mesa, de conversação, são criadas para ser um amante vinte e quatro horas por dia. O fidalgo se comporta entre homens, seja numa caçada, seja numa guerra, como se na presença da Amada, sempre. Esse o nascimento do homem nobre, tão ridicularizado a partir do iluminismo. E tão grotescamente exagerado na França de Luis XV e XVI. Como tudo que é humano, portanto imperfeito, o fidalgo com o passar das eras foi sendo facilitado. Tudo o que era mais difícil foi esquecido e o menos penoso, ressaltado. O nobre se torna apenas uma máscara. O espírito da coisa desaparece.
Mas em 1550 está vivo. E ainda se deve não só ser elegante, mas também lutar, defender, arriscar, se sacrificar. E saber conversar, fazer rir e escrever sobre o Amor.
De certo modo a fidalguia destruiu Espanha e Portugal. A casta dirigente se encantou e se platonizou. Nada de mundo real, apenas cartas de amor e batalhas perdidas.
PS: Todo adolescente é aristocrata em algum momento da vida. Nem que seja só por seis meses. Os mais infelizes carregam isso para toda a vida. Mas é uma aristocracia sem elegância, claro, e sem batalhas para vencer ou perder. Uma aristocracia hiper platonizada.
PS2: Nobres davam regras sobre etiqueta e gosto para a burguesia que os invejava. No mundo virtual, todos nos comportamos como nobres. Não admitimos que nos ensinem, queremos ditar. Sabemos tudo e ansiamos por uma corte de seguidores. Cada post é um ato de sedução. Mas NUNCA EM NOME DO AMOR. EM NOME APENAS DO ORGULHO.
Pense nisso.