DENER - DENER PAMPLONA ABREU. O CHIC DE UM TEMPO REAL.

   Eu vi meus caros, eu estava lá. Quando voce olha uma foto, hoje, de 1970, talvez voce veja apenas costeletas longas, calças justas demais ou camisas com estampas exageradas. Mas por detrás de tudo isso, perceba, havia um genuíno desejo por elegância. Crianças, mesmo as de escola pública, não podiam estudar sem o uniforme. E uniforme era uma roupa que se ocupava de camisa, calça, meia e sapato; não era apenas uma camiseta com símbolo da escola. ( As meninas mais ainda, a saia tinha de ser com pregas ).
  Recordo que os empregados de meu pai, simples balconistas de bar, recém chegados do Paraná e da Paraíba, ficavam horas no vestiário antes de ir embora do trabalho. Banho, calça passada, camisa de manga comprida e uma montanha de perfume. Só então eles iam pra rua. A vaidade se exibia em roupa, hoje ela se exibe em carne e pelo. ( Nossa vaidade atual é a vaidade do corpo malhado e do cabelo em corte diferente. Uma vaidade pelada. Sem arte, a vaidade do guerreiro ou do prostituto. )
  A costureira ia em casa quatro vezes por mês. As roupas da minha mãe, mesmo as compradas feitas ( pret a porter ), era ajustadas por uma profissional. E tudo tinha forro. Engraçado, a arte do forro é uma arte perdida. O forro era o luxo que ninguém via, apenas sentia na pele. Neste mundo todo pra fora, exposto, morreu o forro. Mas vamos ao Dener...
  Antes de Dener gente muito rica comprava tudo na Europa. Com Dener eles passaram a comprar Dener. Nascido rico, no Pará, Dener vendeu sua moda vendendo sua frescura. Ele mesmo fala isso. Seu jeito fresco de ser vendeu a ideia de moda ultra chique no Brasil. E como ele era fresco!!! Coisa que ele não fala, o livro foi escrito em 1972, minha edição é a da Cosac de 2005, é que ele foi o primeiro gay brasileiro querido por donas de casa e crianças. Graças a Flavio Cavalcanti, que tinha um programa de TV, na Tupi, domingo a noite, audiência gigante, Dener era jurado, e lá ele se tornou mega estrela. Fãs esperando na rua, no aeroporto. Eu era criança e lembro. Muito antes de Ney Matogrosso, Dener foi o primeiro gay a entrar nos lares tupis. Eu o via e não sabia o que achar. Aquele moço tão frágil, magro demais, tão romanticamente vestido, sedas e lenços, babados, tão vaidoso, tão ferino, e bonito, sim bonito. Mas eu sabia que havia algo de secreto nele, Criança sabe. E fica encafifada.
  O ateliê de Dener era na Paulista. Uma esquina onde depois foi um McDonalds. Quem tem menos de 50 anos não sabe o que foi o chique paulista. No Mackenzie ainda peguei o fim desse tempo. Gente que nunca havia pego um ônibus. Que não sabia entrar em um banco. Que jamais havia pago uma conta. Sim porque a principal característica do chique é viver no mundo da Lua. São distraídos, pouco práticos, o tipo que não percebe um incêndio no vizinho. O tipo que não sabe apertar botão de elevador. Os outros fazem tudo por ele. Meu amigo Leandro Cunha Bastos, minha amiga Claudia Lindolfo Daher, amigos do Mackenzie, nunca pensaram nem em aprender a dirigir. O chauffeur os conduzia. E como todo chique, não tinham nome, tinham nomes e um apelido gracinha: Lelê e Clau.
   Dener diz que a utilidade do chique é ensinar as classes pobres o que significa ser civilizado. Exemplo. Acredito que sim. Essa é a única utilidade da realeza inglesa desde 1688. Hoje nossos modelos são algum cantor sertanejo e alguma cantora da Bahia. Em 1970 os modelos não eram os Mayrinck ou os Campos, mas Pelé e Roberto Carlos, os modelos de então, pegavam como moldes esses chiques de verdade e os passavam para nós, simples aspirantes. Veja uma foto de Pelé em 1967 ou de RC em 1968. Há informação naquele visual. À partir de 1978 a coisa se degringola.
  Último toque: não leia este livro se voce tem menos de 40 anos. Dener elogia o regime militar. Se voce não tem alguma lembrança da época não vai aceitar isso. De jeito nenhum.