Como vou começar a escrever sobre um livro tão imenso...Apenas 200 páginas, mas vasto, largo, direto e por isso cheio de ideias. Impossível lhe fazer justiça, então usarei a mais kitsch das artes como exemplo para o que quero dizer. O cinema. Vamos lá então...
Em um mundo onde a experiência do sagrado entra em crise por causa da decadência das religiões, a arte passa a ter a incumbência, imensa, de dar aos homens esse contato com aquilo que seja mais importante: a beleza. Esse pensamento surge apenas na última linha do texto, e para chegar até aí, Scruton nos convence do porque da beleza ser um conceito tão importante.
Ele não nos diz, de forma proposital, o que é a beleza; nos diz para que ela serve, por que ela existe e como ela funciona. Para Scruton, a busca pela beleza e o prazer com ela é um fato inerente ao homem. Toda cultura, em todos os tempos, produziu artefatos, arte, cerimonias, hábitos revestidos de beleza; e quando essa beleza atinge o grau de sacralidade, se alcança seu pleno poder.
Nada há de místico nisso. Scruton evita tocar em conceitos como fé ou crença. Um objeto se torna sagrado quando " ele está neste mundo mas não é deste mundo". Trata-se de algo que é único e insubstituível.
Temos essa experiência ao amar alguém. A pessoa amada, se torna sagrada, ou seja, uma pessoa que não pode ser substituída por outra. Ao mesmo tempo, tudo o que essa pessoa diz ou toca, passa a ter algo de único, de encantatório. Scruton tece então comentários sobre vicio e pornografia que são bastante esclarecedores. A beleza nunca vicia porque ela não dá, jamais, um prazer imediato. A beleza não pode ser comprada, não pode ser automatizada. Ela requer tempo, disposição, tato e seu retorno nunca é garantido. Já a pornografia é garantida. O prazer é imediato, automático e simples. Por isso ele pode se transformar em vicio, é uma satisfação, uma recompensa que se faz em um toque, com um objeto, simples e prático.
Scruton, falando do corpo, diz que a pornografia nega o rosto, transforma corpos em coisas sem face. Há um ódio ao rosto na pornografia porque é no rosto que vive nossa faceta humana e sagrada. Não existem dois rostos iguais, olhos transmitem sentimentos, desejos, medos, tudo aquilo que a pornografia não aceita, ou seja, complexidades. Para a pornografia, um corpo é uma coisa que produz sexo. E sexo é o corpo.
Sexo, no mundo pornô, é exatamente aquilo que Freud dizia, que o impulso sexual é um apetite como a fome e a sede, e como tal deve ser tratado. Triste falha! Sexo, no ponto de vista da beleza, é uma dádiva dada à quem merece. Muito mais que fome ou sede, ele requer uma pessoa escolhida, e só aquela que é escolhida. Visto desse modo, o sexo valoriza o ato, dá espiritualidade ao corpo e dignifica quem o usufrui. Torna-se o encontro de dois corpos, únicos e individualizados, que procuram um no outro encontrar sua sacralidade dando ao outro a sacralidade que ele tem.
Eu disse que ia falar de cinema e acabei nada dizendo. Falo agora.
Scruton tem amor por música e arquitetura. São suas artes favoritas. Mas ele fala de cinema numa certa hora. Ele diz que o cinema barateia a beleza, a faz ser kitsch e o kitsch é o maior mal do nosso tempo. Kitsch é a emoção que substitui a experiência. Ela empobrece o gosto e amortiza a vida. Explico.
Digamos que sua casa tenha uma imagem de Jesus e outra de Maria. E voce leve no pescoço um terço. E ainda tenha uma tatuagem de São Jorge no peito. Tudo isso é kitsch. O kitsch é o movimento que se apossa de uma imagem sagrada e a transforma em coisa banal. Por exemplo, vivemos, para nossa grande dor, a vulgarização do funeral, do casamento e do aniversário. Ao serem usados símbolos barateados, ao se repetirem por convenção atos e palavras sem compreensão do que elas significam, se transformou em puro kitsch, aparência sem substãncia, aquilo que era aparência da presença do sagrado.
O homem precisa desse objeto. E hoje o procura num carro especial, num vestido exclusivo, numa casa isolada. Nada encontra nisso, apenas mais kitsch.
No cinema, Scruton, para minha grande alegria, cita Ingmar Bergman como um diretor que realmente sabia produzir beleza. Para Scruton, filmes como A Fonte da Donzela e O Sétimo Selo atingem o alvo em cada fotograma. Todos os objetos em cena, cada xícara, animal, janela ou vestimenta, têm um motivo para estar presente, cada cena tem um porque dentro do todo e cada fotograma pode ser enquadrado, os filmes são segundos e minutos de beleza que se sucedem. Como maior exemplo ele cita Morangos Silvestres, o filme que serve para percebermos a diferença entre imaginação e fantasia.
Imaginação é criar o novo dentro da realidade. Nessa imaginação tudo tem regras próprias e funciona de acordo com a imaginação do criador, o artista. Já na fantasia o que se faz é falsear a realidade, pretender ser real sendo fantasia. É uma verdade que parece morta, porque ela é uma realidade mentirosa. Há milhares de exemplos de filmes assim, desde policiais toscos até pretensas obras sérias que são pura fantasia.
Outro fato que Scruton destaca, é que na verdadeira obra de arte, sabemos todo o tempo que o que vemos é uma imaginação, uma criação de uma mente, e não a vida real. Estamos diante de um filme, que nos emociona profundamente, mas é sempre um filme, e por isso é belo. Já a falsa obra de arte ela nos confunde e tenta produzir tanta emoção quanto possível. Torna-se um tipo de hipnose onde esquecemos estar diante de uma obra artificial, e tontos, apenas sentimos aquilo que desejam que sintamos.
Há um preço pela beleza. Quando ouvimos uma obra de Wagner, vemos um filme de Bergman, ou lemos Tolstoi, o autor nos pede várias coisas. Atenção, tempo, calma, disposição, alguma cultura, detalhismo. No kitsch tudo é dado de graça. Voce terá risos, choro, filosofia, pensamentos bonitos, tragédias terríveis, tudo à custo de quase nada e sem o menor esforço. Rápido, destruidor, dilacerador, e , claro, sem nada que dure e permaneça. Ou pior, dando ao expectador a impressão de ter visto algo de belo, quando na verdade o que ele viu foi algo de sensacional. Como rastro, fica o vicio. Nesse regime de emoções baratas, a pessoa passa a exigir isso da vida, ou seja, satisfação imediata. E esse tipo de satisfação somente os vícios podem dar.
Scruton fala ainda da beleza da natureza, como ela funciona em nós, da beleza dos pequenos objetos que nos cercam, da beleza de uma rua discreta ( ele é inglês, ele ama a beleza discreta ). Não preciso dizer que é um livro belo.é digno de seu tema.
Em um mundo onde a experiência do sagrado entra em crise por causa da decadência das religiões, a arte passa a ter a incumbência, imensa, de dar aos homens esse contato com aquilo que seja mais importante: a beleza. Esse pensamento surge apenas na última linha do texto, e para chegar até aí, Scruton nos convence do porque da beleza ser um conceito tão importante.
Ele não nos diz, de forma proposital, o que é a beleza; nos diz para que ela serve, por que ela existe e como ela funciona. Para Scruton, a busca pela beleza e o prazer com ela é um fato inerente ao homem. Toda cultura, em todos os tempos, produziu artefatos, arte, cerimonias, hábitos revestidos de beleza; e quando essa beleza atinge o grau de sacralidade, se alcança seu pleno poder.
Nada há de místico nisso. Scruton evita tocar em conceitos como fé ou crença. Um objeto se torna sagrado quando " ele está neste mundo mas não é deste mundo". Trata-se de algo que é único e insubstituível.
Temos essa experiência ao amar alguém. A pessoa amada, se torna sagrada, ou seja, uma pessoa que não pode ser substituída por outra. Ao mesmo tempo, tudo o que essa pessoa diz ou toca, passa a ter algo de único, de encantatório. Scruton tece então comentários sobre vicio e pornografia que são bastante esclarecedores. A beleza nunca vicia porque ela não dá, jamais, um prazer imediato. A beleza não pode ser comprada, não pode ser automatizada. Ela requer tempo, disposição, tato e seu retorno nunca é garantido. Já a pornografia é garantida. O prazer é imediato, automático e simples. Por isso ele pode se transformar em vicio, é uma satisfação, uma recompensa que se faz em um toque, com um objeto, simples e prático.
Scruton, falando do corpo, diz que a pornografia nega o rosto, transforma corpos em coisas sem face. Há um ódio ao rosto na pornografia porque é no rosto que vive nossa faceta humana e sagrada. Não existem dois rostos iguais, olhos transmitem sentimentos, desejos, medos, tudo aquilo que a pornografia não aceita, ou seja, complexidades. Para a pornografia, um corpo é uma coisa que produz sexo. E sexo é o corpo.
Sexo, no mundo pornô, é exatamente aquilo que Freud dizia, que o impulso sexual é um apetite como a fome e a sede, e como tal deve ser tratado. Triste falha! Sexo, no ponto de vista da beleza, é uma dádiva dada à quem merece. Muito mais que fome ou sede, ele requer uma pessoa escolhida, e só aquela que é escolhida. Visto desse modo, o sexo valoriza o ato, dá espiritualidade ao corpo e dignifica quem o usufrui. Torna-se o encontro de dois corpos, únicos e individualizados, que procuram um no outro encontrar sua sacralidade dando ao outro a sacralidade que ele tem.
Eu disse que ia falar de cinema e acabei nada dizendo. Falo agora.
Scruton tem amor por música e arquitetura. São suas artes favoritas. Mas ele fala de cinema numa certa hora. Ele diz que o cinema barateia a beleza, a faz ser kitsch e o kitsch é o maior mal do nosso tempo. Kitsch é a emoção que substitui a experiência. Ela empobrece o gosto e amortiza a vida. Explico.
Digamos que sua casa tenha uma imagem de Jesus e outra de Maria. E voce leve no pescoço um terço. E ainda tenha uma tatuagem de São Jorge no peito. Tudo isso é kitsch. O kitsch é o movimento que se apossa de uma imagem sagrada e a transforma em coisa banal. Por exemplo, vivemos, para nossa grande dor, a vulgarização do funeral, do casamento e do aniversário. Ao serem usados símbolos barateados, ao se repetirem por convenção atos e palavras sem compreensão do que elas significam, se transformou em puro kitsch, aparência sem substãncia, aquilo que era aparência da presença do sagrado.
O homem precisa desse objeto. E hoje o procura num carro especial, num vestido exclusivo, numa casa isolada. Nada encontra nisso, apenas mais kitsch.
No cinema, Scruton, para minha grande alegria, cita Ingmar Bergman como um diretor que realmente sabia produzir beleza. Para Scruton, filmes como A Fonte da Donzela e O Sétimo Selo atingem o alvo em cada fotograma. Todos os objetos em cena, cada xícara, animal, janela ou vestimenta, têm um motivo para estar presente, cada cena tem um porque dentro do todo e cada fotograma pode ser enquadrado, os filmes são segundos e minutos de beleza que se sucedem. Como maior exemplo ele cita Morangos Silvestres, o filme que serve para percebermos a diferença entre imaginação e fantasia.
Imaginação é criar o novo dentro da realidade. Nessa imaginação tudo tem regras próprias e funciona de acordo com a imaginação do criador, o artista. Já na fantasia o que se faz é falsear a realidade, pretender ser real sendo fantasia. É uma verdade que parece morta, porque ela é uma realidade mentirosa. Há milhares de exemplos de filmes assim, desde policiais toscos até pretensas obras sérias que são pura fantasia.
Outro fato que Scruton destaca, é que na verdadeira obra de arte, sabemos todo o tempo que o que vemos é uma imaginação, uma criação de uma mente, e não a vida real. Estamos diante de um filme, que nos emociona profundamente, mas é sempre um filme, e por isso é belo. Já a falsa obra de arte ela nos confunde e tenta produzir tanta emoção quanto possível. Torna-se um tipo de hipnose onde esquecemos estar diante de uma obra artificial, e tontos, apenas sentimos aquilo que desejam que sintamos.
Há um preço pela beleza. Quando ouvimos uma obra de Wagner, vemos um filme de Bergman, ou lemos Tolstoi, o autor nos pede várias coisas. Atenção, tempo, calma, disposição, alguma cultura, detalhismo. No kitsch tudo é dado de graça. Voce terá risos, choro, filosofia, pensamentos bonitos, tragédias terríveis, tudo à custo de quase nada e sem o menor esforço. Rápido, destruidor, dilacerador, e , claro, sem nada que dure e permaneça. Ou pior, dando ao expectador a impressão de ter visto algo de belo, quando na verdade o que ele viu foi algo de sensacional. Como rastro, fica o vicio. Nesse regime de emoções baratas, a pessoa passa a exigir isso da vida, ou seja, satisfação imediata. E esse tipo de satisfação somente os vícios podem dar.
Scruton fala ainda da beleza da natureza, como ela funciona em nós, da beleza dos pequenos objetos que nos cercam, da beleza de uma rua discreta ( ele é inglês, ele ama a beleza discreta ). Não preciso dizer que é um livro belo.é digno de seu tema.