I'M YOUR MAN, A VIDA DE LEONARD COHEN- SYLVIE SIMMONS

   O Brasil se tornou um país tão chato, que penso que um colega meu da USP poderia ver na vida de Leonard Cohen apenas um caso de um privilegiado burguesinho, que sem se preocupar com dinheiro passou todo seu tempo sem saber como vencer o tédio existencial. Esse colega ainda acrescentaria que Leo foi um alienado, tendo passado indiferente a décadas de revolução social. O mundo dele foi apenas seu próprio umbigo. Mais o coração e o pênis.
   Eu escutaria esse colega falar e diria que ele está certo. Nada do que ele disse é mentira. Leo foi apenas isso. Também. Mas, como sempre ocorre com o modo raso de pensar, meu amigo esqueceu, ou não percebeu, diria que evitou perceber, que o umbigo, o coração e o pênis de Cohen podem ser os mesmos de toda uma população. E que para certos artistas, falar de si-mesmo é falar de uma nação.
  A vida de Cohen é movimentada. Mas não é interessante. Talvez seja a falta de talento da biógrafa ( a mesma de Gainsbourg ). Cohen viaja, pensa, foge, tem N amores, medita, pira, mas a impressão que temos é a de que ele evitou viver. Escrevi acima a palavra "foge". Leonard Cohen fugiu todo o tempo. Ele fugiu da fama, de compromissos, fugiu o quanto pode da paternidade, fugiu do judaísmo e do budismo e do hinduísmo. Ele evitou hippies mas também a turma de Warhol. Fugia do Canadá, de LA, de NY e da Grécia. Fugiu da mãe. E ao mesmo tempo foi profundamente ligado a tudo isso que citei. Cohen nunca corta laços, ele os acumula. Amizades para sempre. Amores para sempre. Ele diz em entrevistas não olhar para trás, ele não precisa fazer isso, ele nunca deixou nada atrás de si.
  Do livro as melhores histórias são as da meninice. E depois o começo, com Judy Collins, David Crosby e até Nico e Jackson Browne. Não sabia que ele tomava LSD. E não sabia que ele era tão deprimido ( coisa de judeu...acho ). Conheço bem a depressão e entendo o medo de compromisso. A sensação de que tudo vai acabar um dia. Para que então começar se vai acabar... E ao mesmo tempo o amor pela solidão, o pavor de depender, e a incapacidade de romper laços. Leo tem tudo isso. Me veja às vezes nele. Mas a música de Cohen é do tipo que eu jamais faria. É desanimada. Entenda, Leonard Cohen é real, um talento imenso, um escritor que fez pop, e isso é muito raro. Mas ele é pai de um monte de gente chata que bebeu em sua fonte. Cohen autorizou cantores ruins e tristes a confundir tristeza com talento e má voz com sinceridade.
  Meu primeiro contato com Leo foi já neste século. Na trilha sonora do filme de Altman, McCabe e Miss Miller. Até hoje acho a melhor coisa que ele fez. Antes eu apenas o conhecia por nome. Pensava que ele fosse um tipo de Randy Newman mais amargo. Não. Cohen é um religioso. Sua obra é uma prece e sua obra uma ode bíblica. Ele canta para Deus e só para Deus. Há interioridade verdadeira nele. E nada menos americano que interioridade, daí seu sucesso tardio por lá. ( Não esqueçamos que as religiões americanas são todas "para fora". Elas cantam e berram, evitam o silêncio ).
  Estranho Canadá. Neil Young, Joni Mitchell, The Band...se tivesse de escolher uma palavra para definir todos eles diria solidão. Ou, mais ainda, ético.
  Não é um bom livro.