HENRI BERGSON

   Pessoas costumam confundir Tempo e Espaço. O espaço pode ser medido, o tempo não. Pois assim como podemos situar uma coisa e nos situar em um espaço, não podemos situar nada e principalmente a nós mesmos no tempo. O presente se torna passado assim que percebido e o futuro está sempre em um ponto vago no porvir. Não há ponto no tempo. Nem reta e nem espaço.
   Dentro do nosso ser mais profundo sabemos que a vida é movimento. Que estamos sempre em ação. Pensar, sonhar, querer, andar, fazer, tudo é ação. E o tempo é vida e vida é liberdade. No mais profundo eu a liberdade é plena. Pelo simples fato de que nos modificamos sem parar por toda a vida. Na intuição, que é ação criativa, tomamos posse de nossa liberdade. Fazemos sem pensar, somos sem questionar, vivemos sem querer, essa a liberdade. Ao contrário dos bichos, presos na necessidade, na utilidade de sobreviver, nós fazemos atos sem utilidade, sem necessidade, atos livres.
   Mais além, tentamos, para manter a lógica, crer na objetividade, no objetivismo, na causalidade. Não há causa e efeito no homem. O que fazemos e o que queremos não tem um porque. Ou, dizendo melhor, o que fazemos, nossas ações, são transformações. Mas atenção! Eu não sou um homem que muda. Eu mudo desde sempre. Jamais cheguei ou chegarei a ser.
   Para poder viver em sociedade usamos a memória. Ela nos diz aquilo que fizemos. E assumimos que o que fizemos é o que somos. Uma energia imensa é gasta nessa missão social: manter a ilusão de que se é um ser definido. Manter uma cara, um posto e uma personalidade. Sim, eu sou um indivíduo, mas isso que sou se define em um movimento. Lembro do que fui, mas o que sou NADA deve a esse que fui. Nem mesmo consequência do que fui eu sou. Vou me modificando na vida e no tempo. Parar de mudar é a maior das ilusões.
   Amamos esse ato criativo, a liberdade de agir gratuitamente. Admiramos profundamente quem muda. Superficialmente temos nossa personalidade social. E a maioria de nós crê e quer crer ser isso em totalidade. A maioria não chega a perceber a liberdade que é. Porque nós não temos a liberdade, não somos livres, a liberdade só existe em nós. O homem é a única coisa no universo que é livre. Tudo está preso a leis físicas e apelos da necessidade. O homem cria. Dentro de seu corpo físico, preso, banal, mora o espírito livre, intuitivo, que age e se modifica modificando.
   O Paulo de 1981 nada teria a ver comigo. Lembro dele, conheço ele, mas ele foi. Eu sou. Assim como este bairro, onde nasci, nada tem a ver com aquele que lembro. Nada conheço na verdade. Apenas estou junto no mesmo movimento. Sucessivo. Os atos que fiz não me trouxeram aqui. Não há motivos conhecidos que respondam como e por que estou aqui e sou isto. Apenas o movimento criativo.