JUNG, SONHOS E REFLEXÕES. UMA VIDA MUITO BEM VIVIDA.

   Um mito só é vivo quando muda. Tudo o que tem vida modifica-se o tempo todo. Os deuses gregos tinham vida, em seu tempo, porque sua existência se modificava com e ao lado dos homens. Desde o século XII o cristianismo parou de mudar. Toda tentativa de mudança passou a ser heresia. A crença se solidificou. Imutável, morreu. É um mito que pouco diz ao homem de hoje. Sua validade está fora da igreja, naquilo que ele pode dizer de particular a cada um individualmente.
  A razão não pode criar mitos. Ela se ocupa daquilo que podemos ver e ouvir. Pesar e medir. Sentimentos, intuições, individualidades estão fora de seu alcance. Seu interesse não é criar, é provar através da observação. A razão pega o que já existe. Dentro de seu mundo.
  O mito é necessário para dar sentido à vida. Sem ele nossa existência empobrece e o planeta fica à deriva. Cada ato, sem o mito, cai no vazio. A liberdade se torna falsa, porque ela fica restrita ao campo do comum, do vulgar, do provável. Só existe aquilo que é de todos. O indivíduo morre na razão.
  O significado da vida e seu sentido só pode ser percebido dentro do inconsciente. Mas ele existe indiferente ao consciente. Como sombra, ele age nos bastidores, longe da linguagem humana, em atos sem tempo, sem lugar e sem aparente consequência. Longe da razão.
  O homem é essa luta entre opostos: consciente e inconsciente. Polaridade que nos move, polaridade que por ser aquilo que nos define, é tudo o que podemos perceber no mundo. Só percebemos fora de nós aquilo que vive dentro de nós. Opostos em luta. Sombra e luz.
  Todas as respostas moram dentro de cada um. E só entramos nesse mundo, o do inconsciente, quando em crise. O neurótico é aquele que luta por ficar fora. O esquizo é aquele que entra e não mais sabe sair. Um fecha a porta. O outro não acha a porta.
  Há um centro dentro de cada um de nós que é incomunicável. Portanto ele é um segredo. UMA SOCIEDADE PRECISA DE SEGREDOS. É o segredo que faz nascer um grupo de iniciados. E deles nasce um reconhecimento. Uma sociedade. Algo que só eles sabem e entendem. Esse centro não reconhece lugar ou causalidade.
  Não se pode comunicar Deus a alguém. Deus não se vê ou se ensina. Ele é uma experiência. Você sente Sua presença. Sabe. E guarda esse segredo.
  O homem pleno, se é que ele existe, se ocupa daquilo que é valioso. O mundo perde tempo naquilo que pouco valor tem. Tudo que se liga ao tempo e é marcado pela pressa tem pouco valor. O precioso está fora do tempo, é eterno.
  ... termino o belo livro que a Cultura lançou com a Nova Fronteira em edição caprichada. Jung me convence porque tudo o que ele fala eu vivi antes. Bem antes. E vivo hoje.
  Todas essas frases acima são do livro. E devo ainda dizer que os melhores trechos são aqueles que falam de suas viagens. África. Índia. Novo México. A mais fascinante é aquela a Uganda e Kenya. Jung se esforça por os conhecer. Sábia a sua atitude de sempre ter em vista seu modo europeu de pensar. E me frustrou a recusa que ele teve em face de um momento dionisíaco. A coisa quase acontece numa tribo africana, mas ele não sai de seu mundo.
  Na cidade indígena do Novo México a coisa é mais plácida. Lá Jung tem talvez seu mais belo momento.
  A visão de Jung é aquela da dualidade sempre. O mundo da natureza é cruel e belo. O homem é consciente e inconsciente. Deus e o homem são opostos que se criam. Um ligado ao outro. A morte é a sombra da vida e a vida está unida a morte. Homem e mulher se motivam e ao mesmo tempo se repelem. Dentro e fora. Aqui e lá. Tudo em dualidade.
  Mas ao mesmo tempo ele reconhece que esse é o modo como ele pode ver a vida. E a vida existe também fora de nossas percepções. Daí o insaciável interesse de Jung pelo oculto, pela chance de procurar algo que esteja fora da razão e do tempo.  Das pistas cifradas de outros mundos. Do mundo interior. O sonho acima de tudo. As mensagens visuais do inconsciente. As sincronicidades. O estar aberto a todas as possibilidades.
  Fosse trinta anos mais jovem Jung teria feito aquilo que Huxley fez ( são almas irmãs ). Provaria mescalina e LSD para ampliar sua busca. Jung não criou dogmas. Ele ampliava experiências. Vivo.
  É um belo livro. ( Com algumas partes chatas. Jung não escreve bem. E reconhece isso. )