CHAGALL- JACKIE WULLSCHLAGER

   Chagall tinha tudo para ter dado errado. Nasceu judeu pobre numa cidade de judeus pobres. Numa familia inculta em meio a familias incultas. Fim do século XIX, Rússia. Fome. Passou pela guerra de 1914/1918, pela revolução comunista, sendo perdedor nas duas. Passou fome em Paris e na Alemanha. Pintava quadros figurativos quando a moda era abstrata. Tímido, sonhador, era um místico na época mais materialista da história humana. Preguiçoso, tomou sempre decisões tardias e sempre dependeu da força de uma mulher, primeiro da mãe e depois da esposa e da filha. Foi o queridinho da mamãe. E um desastre na escola. Só pensava em pintar. E mesmo assim ele é um dos pintores mais amados do século XX, morreu rico aos quase cem anos de vida ( em 1985 ), lúcido e com boa saúde. Como pode? O livro responde à isso com uma clareza colorida digna dos quadros de Chagall.
  Ele bebeu sua infância e se embriagou dela para sempre. Apesar de pobre, ele amou cada segundo daqueles dias. E os levou vivos para suas telas. Chagall pintava como uma criança. Sem regras e sem escolas ou modas. E é por isso que nunca houve ou haverá um seguidor de Chagall. Muitos são discípulos de Miró ou de Cézanne, mas só Chagall podia tentar ser Chagall. Seus quadros são seus sonhos e sonhos não se transmitem. 
  Passivo, nesta longa biografia nada vemos de muito heróico nele. Sua primeira esposa Bella foi um tipo de heroína, e mais ainda sua filha Ida. Nas fotos, muitas, vemos o quanto elas foram bonitas. E o quanto Chagall tinha a imagem, não pensada, natural em seu meio judaico hassidico, de boêmio. Ele nunca o foi. Bebidas ou excessos passaram longe dele. Chagall amava muito. E pintava. Com cores. Só Matisse chega perto dele como colorista. Mas os dois são completamente distantes. Matisse é equilibrado, francês até o osso. Chagall é russo e judeu, solto e sonhador, sofrido e feliz, religioso e mágico. 
  Cheguei a viver em um mundo que tinha Chagall vivo. E lembro do dia em que ele morreu. O mundo dele havia desaparecido na segunda guerra. Dos 240.000 habitantes de sua cidade natal, só 118 restaram após a passagem das tropas. Apenas oito casas de pé. Ele conseguiu escapar do nazismo via Lisboa. Foi para NY, cidade cinza que ele odiou. Lá morreu Bella. De saudade da Europa. E quase morreu Chagall. De saudade de Bella. 
   O livro é lindo.