RIN TIN TIN, A VIDA E A LENDA-SUSAN ORLEAN, UM LIVRO TRISTE, AMARGO E BONITO.

   Mas que livro terrivelmente triste! Escolhido pelo New York Times um dos melhores livros de 2011, a própria autora confessa ter ficado deprimida nesses dez anos de pesquisa que levou para escrever este livro. 
   Alguém não sabe quem foi Rin Tin Tin? Penso que aqueles com menos de 40 anos não sabem, mas TODOS com mais de 40 sabem. Eu o conheci na TV, As Aventuras de Rin Tin Tin foi provavelmente a primeira série que assisti na telinha. Foi produzida nos EUA, pela ABC, entre 1954/1960. Aqui passou por toda a década de 60/70, e devo ter visto logo em 1966-1967. Meu pai adorava e me colocava para ver. Rin Tin Tin ou Zorro, uma das duas foi minha iniciação ao mundo da ficção. O sucesso televisivo foi imenso e foi mundial. TODO o mundo assistia a série de TV. Por mais de 30 anos ele rodou mundo afora. Mas vamos ao inicio...
   No começo do século XX houve um garoto solitário do interior da América. Lee Duncan, um solitário, amava bichos. Serviu na primeira guerra mundial, na França devastada. Primeiro fato triste do livro, o fato de que num mundo préTV, a Europa era tão estranha para um americano comum como a Lua. Comida, gente, paisagem, clima, tudo era assustador. E o inferno da guerra química, das trincheiras, das amputações, das mortes às centenas. Lee Duncan, um dia, invadiu uma fazenda destruída. Norte da França, lama, fogo, frio, cinzas, cadáveres. Ele vê uma construção que deveria ter sido um canil. Montes de cães mortos, e de repente um gemido. Uma fêmea de Pastor Alemão sobreviveu, com quatro filhotes. Lee Duncan, o caipira solitário, os salva. Milagrosamente todos sobrevivem na guerra. Ao final, em mais um golpe de sorte, Lee consegue trazer um deles para os EUA, num navio lotado. Volta ao sítio, pobre, e cria esse cachorrinho que lhe restou. Andam pelos bosques, sobem montanhas, ficam inseparáveis. O nome do cão é Rin Tin Tin. 
  Lee ensina truques ao cão e começam a fazer shows pelas estradas. Vão à Califórnia e acabam no cinema. Rin Tin Tin começa a fazer filmes de cinema, longas, é tempo do cinema mudo. São cinco, seis filmes por ano, e mais um milagre ocorre: Rin Tin Tin salva a Warner da falência! Ele se torna a estrela mais querida e mais conhecida do cinema americano. Seus filmes rodam o mundo, ele viaja, ganha dinheiro, se torna um mito. 
  Quem viu os filmes, eu nunca os vi, diz que ele era mesmo surpreendente. Rin Tin Tin conseguia ter expressões faciais, conseguia comover com seu olhar triste. Os filmes repetiam sempre o mesmo tema, o conflito entre o selvagem e o domesticado, conflito que ocorria dentro do cachorro-ator. Como os filmes eram mudos, Rin Tin Tin era como mais um ator, já que todos eram mudos. Sem precisar de dublagem ou legendas, os filmes, como os de Chaplin e Keaton, eram entendidos em todo o planeta. Mas...
  Com o cinema falado seus filmes foram perdendo público. Agora os atores falavam e um cão não podia falar. Os animais passaram a servir apenas para cenas secundárias, de humor, de pastelão. Lee Duncan, que via Rin Tin Tin como um tipo de nobre, não aceitou a vulgarização de seu astro e se afastou do meio. Voltou ao sitio. 
  Rin Tin Tin morre. Os filhos dele continuam seu legado. Alguns aparecem em exposições, em filmes mais dignos, e nos anos 50 ressurgem na TV. A série, sucesso imenso, inaugura em 1954 a era do merchandising. Roupas, botas, chapéus, revistas, discos, mochilas, brinquedos, tudo com a marca Rin Tin Tin. Lee Duncan nunca soube ganhar dinheiro, foi explorado e mal conseguia sobreviver. O cão ator, tataraneto do Rin Tin Tin dos tempos da guerra, tinha talento, não como o primeiro...
  Ficamos sabendo que foi o primeiro Rin Tin Tin que popularizou a raça dos Pastores Alemães, mais que isso, foi a partir dali que as pessoas começaram a educar seus cães, a permitir que eles vivessem dentro da casa e não mais jogados no quintal. Rin Tin Tin humanizou os cães, urbanizou os animais, revolucionou costumes. Antes da Disney, foi ele o bicho que fez com que as pessoas deixassem de olhar animais como bestas. Rin Tin Tin mudou o mundo. 
   Mas é tudo tão melancólico....Lee Duncan nunca deixou de sentir falta do primeiro Rin Tin Tin. Foi feliz apenas nas caminhadas com seu cão, no começo de tudo. E o produtor da série, homem de talento que depois faria as séries Rota 66 e Naked City, também morreu falido, querendo reviver o mito de Rin Tin Tin. 
   A autora percebe que a história de Rinty é a história do país. Da ingenuidade dos caipiras solitários, à ambição dos advogados e executivos. Do espaço sem fim à vida ordenada das cidades. Rin Tin Tin lembrava a uma América recém urbanizada ( foi em 1919, ano do primeiro filme, que pela primeira vez a população urbana passou a rural ), a vida que eles não mais podiam ter. Daí o amor-paixão que todos davam aquele cão. A partir dos anos 60, quando as raízes rurais já começavam a morrer, Rinty, assim como os westerns e os cavalos, começou a nada mais significar. Mas Susan, assim como todos que o viram em sua segunda incarnação, na TV, nunca esqueceu de Rin Tin Tin. Triste e belo livro.
  PS: Meu primeiro cão foi um imenso Pastor Alemão chamado Bucky. Apesar de meu amor por Boxers, nenhum cachorro que tive depois de Bucky tinha a metade de sua inteligência.