DO PÓ DAS ESTRELAS

   Se a gente olhar tudo de longe, e acelerar a velocidade da coisa, a gente vai perceber que nossa história tem esses momentos cruciais: O fogo, a escrita, o começo da revolução industrial e o mundo da informática. Se voce quiser ampliar isso e em vez de ver um filme, que é aquilo que a gente vê do alto e de forma acelerada,  ler o livro da vida, então os momentos são: a fala, a religião, a filosofia, a ciência matemática, a revolução industrial e a informática.
  Assistindo a vida ou lendo a história das almas, a coincidência se dá mais que o aparente. A fala trouxe a escrita, o fogo trouxe a indústria, e os dois trouxeram a revolução industrial e a informática. A religião e a filosofia, que são o mesmo, andam ao lado, antecipando tudo. Eu disse que a religião antecipa? Não tenho dúvida alguma. Do Big Bang às imagens do centro celular, tudo foi descrito pelas religiões. Mas eu sei que isso é mexer em espinheiro.
  O PC, o tablet, um pen drive, todos são corpos físicos. A rede, a internet, o conteúdo é a vida. Interessante isso, agora é fato dizer que somos feitos da matéria das estrelas. Mas William Blake já sabia disso. Shakespeare sabia disso. Mesmo que em 1820 ou em 1600 parecesse apenas uma bonita imagem poética. Mas a poesia soube. O verdadeiro poeta sabe porque ele intui. Somos da mesma matéria e esta minha mão que tecla aqui é feita da mesma matéria do começo do universo, lá longe...
  Mas se a minha mão tem os átomos de lá, então minhas células nervosas também estavam naquele centro de onde surgiu tudo. E INTUITIVAMENTE elas lembram. De uma maneira anterior ao verbo, de uma maneira fora do verbo, elas sabem. Isso my dear, é hoje ciência. E isso, meu irmão, meu companheiro de eternidade, meu irmão atômico, é também religião em sua raiz. Desde pelo menos 15000 anos se sabe. Qualquer aborígene australiano vai te contar. Viemos do mesmo ser. Somos todos parte dele. O átomo original que explodiu. Deus. Intuitivamente se conta a mesma história. A ciência gasta bilhões para recontar o que a gente já sabia. Para traduzir em língua culta aquilo que um selvagem sujo soube.
   A vida nunca termina porque o universo não acaba. Ele simplesmente está lá e aqui, e esteve ontem e já está amanhã. 
   Vejo uma imagem. A reconstrução dos restos de Lucy, o primeiro ser humano. Essa imagem sempre me deixa destruído. Como me destrói a cena dos simios em 2001 do Kubrick. Porque? Por excesso de beleza. Lucy foi um herói, um gênio, um animal, um deus e um poeta. Ela viu aquilo que ainda vemos. Sonhou nossos sonhos e viveu o medo que nos paralisa. De Lucy à eu-mesmo nada mudou. Ela é feita da minha matéria. E o esforço que ela fez me é conhecido.
  Tempo, que é número, é apenas um modo de simplificar as coisas. Nosso cérebro, que é sangue e carne, precisa de tradução simplificada, ou entra em parafuso. Ele, o nosso caro cérebro, entende apenas aquilo que existe no tempo linear. Na verdade ele só consegue entender linhas. A linha do tempo, a linha da escrita, a linha de 1 mais 1 igual a 2. Mas, não é porque só conseguimos ler em termos lineares que só a linha exista. Seria como crer que o chinês não existe porque não conseguimos o decifrar. O veríamos apenas como ruído. Ou acreditar que o verme não existe por nos parecer invisível. Começo, meio e fim, nosso cérebro precisa enquadrar tudo nesse molde. Fora desse molde ele nada consegue ver, ouvir ou sequer imaginar. 
  Mas a realidade não é assim. 
  No universo não existe o UM e o DOIS. Muito menos o ZERO. Isso é uma invenção artificial de nosso cérebro limitado. Explico, é bem simples:: Onde está o UM ? Existe na vida real algo que seja um ? Existe algo como uma laranja, uma pessoa ou uma estrela ? Claro que não! Existem laranjas, incontáveis pois teríamos de contar as que nasceram, as que nascem e as que irão nascer, todas são laranjas. Nosso cérebro, simplificador, pega uma laranja, que faz parte de um infinito, e a conta: UM. Mas isso é arbitrário, forçado, ficcional. Nada é UM. 
  Assim é o tempo.
 Escrevo tudo isto baseado num filme ruim. Mas com grande ideia. Uma ideia que já a alguns anos me maravilha. Esse um problema recorrente do cinema de agora. Grandes ideias em filmes pobremente desenvolvidos. A verdade é que aquilo de maravilhoso que a ciência começa a nos dar não cabe mais em nossa arte pequena. Deveremos voltar às catedrais. Grandes afrescos, grandes sinfonias podem falar desse novo-velho mundo. Precisamos de um Goethe ou de um Kubrick. Não temos.
   A morte não existe. Porque a vida nunca começa. 
   Tente entender isso. Eu juro que é a única questão que vale a pena.