A LIÇÃO DE MILES DAVIS

   ...MAS EXISTE MILES. E ele nos diz, jamais olhe para trás. 
Engraçado o fato, JAZZ nunca me recorda nada. É o anti-saudosismo. Jazz corre adiante? Ou seria a celebração do momento? Acho que não. JAZZ é só música. Pura, sem querer dizer nada mais que som. Música abstrata. Mesmo JAZZ carregado de emoção, o que NÃO é o caso de Miles, é abstrato. Nada de história, ritmo. A pulsação da vida. Agora.
  Miles saiu da heroína sózinho. Se trancou num quarto numa cidade onde não conhecia ninguém. E ficou lá. Morrendo. Suando. Gemendo. E voltou. Voltou com históricas gravações de 1954. Voltou com outro som. Nú. 
  29 de junho de 1954. Miles entra no estúdio e sai com oito gravações. ( Para comparar, hoje Beyoncé entra com quatro produtores e cinco arranjadores e sai com uma canção após um mês ). Com Miles estão: 
  Sonny Rollins. Horace Silver. Percy Heath e Kenny Clark.
  Sonny mandou brasa com seu saxofone redondo. Horace detonou com o dedilhado cool e discreto. Percy era o cara! O ritmo das cordas de seu baixo de vento. E Kenny, o batera dos anos 40 que inventou o jeito novo de swingar: a batida extra, fora do tom, na caixa, marca registrada, desde Kenny, de TODO baterista de JAZZ.
  Os caras entraram no estúdio e tiraram seus paletós. Cigarros empestearam todo o lugar. Camels fedidos. Miles não fala nada e quando fala ele fala baixo. Os caras sabem, o cara é um duende. Ele está aqui mas nunca está aqui. Ele só fala na hora de contar: 1,2,3...e a voz é assustadora. Cavernosa.
  Oleo é um estouro. Airegin é uma revelação. Doxy é uma mina. Tudo cheira a calcinhas. E a Camels fedorentos. Cada faixa é gravada em três takes. 
  Os caras colocam os paletós e saem. Miles entra em seu carro, um Packard preto. Sonny vai a pé. Silver anda com ele. Kenny fica no estúdio e Percy foi tomar um café na esquina.
  Amanhece. 
  Os caras nunca morrem. Como falei, JAZZ é only music. E música baby, música não morre.