O PLATONISMO EM ROCK, AVALON.

   Eu amava Pat Wonderful porque ela era linda. E se vestia, de uma forma discreta, melhor que qualquer menina que conheci. Até hoje. Jamais pensei em fazer amor com ela. Eu queria sair com ela. E isso nós fizemos. Meu desejo era poder desfilar pelas ruas ao seu lado. Fazer parte de seu mundo. 
 Wonderful tinha um doce perfume. Leve. E seus olhos negros pareciam abismos. Imagem óbvia...mas exata. Ela era uma bailarina. E caminhava pela vida como uma boneca de porcelana. O pescoço sempre ereto e as coxas finas e duras. O nariz empinado. Ela era pequena, e mesmo assim olhava o mundo de cima. Uma noite ela disse que eu era da mesma espécie que ela. Wonderful me fazia feliz. Ignorávamos toda a feiura do mundo. Conosco a vida era champagne, cristal e muita música. 
 Há um esnobismo sempre latente em mim. Nela isso era assumido. Da sacada de seu enorme apartamento, a paisagem era o clube Pinheiros, nós ficávamos madrugadas adivinhando futuros e alfinetando os mortais. Nossa carne era pó. O desejo era pelo etéreo. Assexuados, conseguíamos ter a ilusão de que o idilio duraria para sempre. Ela era Vênus e eu era Mercúrio. O Olimpo era a Terra.
 E sua voz, seu andar de bailarina, eles assombraram toda minha vida futura...
 Avalon é a trilha sonora desse mundo tão irreal que se fez mito. Ela existiu? Vejo fotos e sei que ela era exatamente como eu recordo. O cabelo castanho lustroso, curto, a boca aristocrática, a pele macia e rosada, um tipo de anoitecer de verão. 
 Em Avalon tudo é amor e nada é sexo. Aqui, 1982, Bryan cria o estilo que será dele forever. Milhares de guitarras fazendo uma tapeçaria de sons diminutos, percussão que ricocheteia em vielas de um oriente inexistente, e teclados oitentistas flutuando e harmonizando a elegância sublime de toda essa ourivesaria de sons preciosos. Há uma delicadeza de borboleta em todo som. Por isso a gente ouve e sente o odor de rosas.
 E há a voz. Inumana. Ela vem de um sonho e Bryan nunca mais irá acordar. Ele canta dormindo, profundamente adormecido. É a voz da vida de Tony Roxy e de Pat Wonderful. A voz que rodopia numa irrealidade esfumaçada de estações que ficam. Sem carne, pois a carne conhece a solidez e o tempo. E neste universo tudo é intocado e para sempre. 
 Ter criado este mundo atesta a verdade. Avalon, ilha onde vivem Arthur e Guinevere, é mais real que Londres ou que Bristol. Porque Avalon deu frutos e aquilo que dá filhos é real. Todo o Pop inglês classudo, feito entre 83/94, entrou no mundo de Avalon. Muito lixo foi aqui engendrado. E alguns minutos de pura beleza também.
 Talvez o meu pior viva neste canto. Não sei. 
 Avalon é feito sobremaneira de silêncio. O ruído está longe daqui, foi banido. Idealisticamente, tudo deve ser perfeição. 
 Pat era perfeita.
 Portanto, ela não podia ficar. 
 Platão.
 E o rock, o mais crú dos estilos, conhece com Roxy, o platonismo da pura ideia. 
 E fora daqui, só barulho.