O CINEMA POPULAR

   Quem me acompanha sabe: tenho escrito pouco sobre cinema. Isso tem dois motivos, primeiro meus estudos de letras. A literatura tem me ocupado muito. E segundo é que ando meio de saco cheio de filmes. Porque?
   De 2005 a 2010 fiz minha coleção de DVDs. O que compro agora são aqueles poucos filmes geniais que ainda são lançados. Esse período de formação de meu acervo foi maravilhoso, mas, acabou. E cinema, arte visual, não é como a música ou a literatura, o cinema é em comparação uma arte perene. 
   A gente pode escutar vinte vezes em vinte dias um disco legalzinho. Mas não vai assistir vinte vezes um filme apenas legalzinho. E eu não falo de ouvir o disco no carro ou dançando, falo de ouvir com toda a atenção. Cinema não vive como um disco ou um quadro, não nos acompanha como trechos de um livro. Um filme para ter esse poder tem de ser muito especial. Eles existem, mas sua porcentagem é muito pequena. 
  E o que se faz hoje, sem preconceito, é quase sempre irrelevante. E assim meu interesse vai minguando...Sempre vou amar meus filmes, mas vou escrever mais uma vez sobre Fellini ? 
  Well...Conto tudo isso pra dizer que num DVD recém lançado de René Clair, há como extra uma entrevista de rádio que ele deu em 1960 nos EUA. Observe, é 1960, o auge do cinema de arte, momento em que os críticos tinham a certeza que os filmes populares iriam desaparecer. Pois bem, nessa corajosa entrevista, para surpresa do repórter, Clair diz que " Raros são os filmes relevantes que não fizeram sucesso de bilheteria!" 
  René Clair começa citando Chaplin e Buster Keaton, como exemplos de artistas populares em alto grau de arte e de diversão, e continua citando Ford, Hitchcock, Hawks e Wilder. O francês diz que há excessões, e Kane é o melhor exemplo, mas mais de 90% dos grandes filmes artísticos tiveram bom público! 
  Penso então que na década que lá começava, 2001, Bonnie and Clyde e Mash seriam big hits. Que Kubrick, Scorsese, Coppolla ou Woody Allen sempre tiveram público ( menos para seus piores filmes ), que Kurosawa ou Malle sempre deram lucro e que mesmo os melhores filmes de Godard tiveram uma boa platéia. Quando ele ficou chatérrimo o público se foi. E sua arte se foi com eles.
  Muito lixo é feito e vira sucesso. René Clair desmente isso. Ele conta que muito lixo é feito e vira fracasso de bilheteria. Um sucesso sempre é um bom filme. Nunca é chato, mal feito, burro ou irrelevante. O público sabe o que merece ser visto.
  Bem, talvez em 1960, antes do blockbuster, do filme lançado ANTES do boca a boca, fosse assim. Hoje há big hits realmente ruins. Mas, claro, percebo que poucos filmes de grande sucesso são absolutamente ruins. E muitos filmes de arte o são. Preconceitos que tive me impediram de ver Lord of The Rings por anos, e depois descobri que são filmes ótimos. Mas Avatar é horror puro, um lixo. 
  Diria então que devemos desconfiar do filme de arte que só dois caras viram. E entender que os melhores filmes dos bons diretores são aqueles que tiveram mais público. Sempre. 
  E jogar fora o preconceito. Uma fila na bilheteria pode ser melhor sinal que um prêmio em Berlin.