BRAD TOLINSKI- CONVERSAS COM JIMMY PAGE, LUZ E SOMBRA ( TRABALHO, TRABALHO E MAIS TRABALHO )

   Jimmy Page tocou em Goldfinger, o single do filme 007, com Shirley Bassey. Isso já colocaria seu nome na história. Mas tem mais. Num cálculo rigoroso, ele tocou em 60% dos top ten ingleses entre 1964/1966. Detalhe: ele tinha 18 anos. Gravando uma média de três músicas por dia, fuçando dentro dos estúdios, ele aprendeu tudo sobre técnica de gravação. Aprendeu tudo o que NÃO se devia fazer.
   Qualquer um qu e tenha ouvido sabe, ouvir um disco gravado entre 1963/1969 tem sempre algo de frustrante. Claro, existe a sonoridade maravilhosa, orquestral de bandas como Beach Boys, Traffic ou Kinks, mas não existe nenhum traço de ataque, de furor, de ambiência. Page diz que os técnicos não gostavam de rock, e então eles gravavam tudo como se aquilo fosse Sinatra ou Dean Martin, atenção focada na voz. O mais trágico era perceber o medo que eles tinham da bateria. Bateristas soberbos como Ginger Baker, Charlie Watts e Keith Moon desaparecem no disco. Jimmy Page mudou tudo isso. E eu senti isso na pele.
   Quando eu era criança achava que rock era Beatles e Monkees. Hoje ainda adoro as duas bandas, claro, mas percebi em 1975, aos 12 anos, que eles eram, como direi, soft. Muito soft. E que o som deles ficara preso ao passado. Note, falo de som. Sonoridade. As composições de Lennon e Paul, algumas dos Monkees serão para sempre, mas o modo como foram gravadas é completamente antiquada. Voz de um lado, massa instrumental do outro. Tudo arrumado, correto e sob controle. Eu não sabia mas tudo isso mudou em 1969. ( E observe como mesmo bandas agressivas, tipo Stooges e MC5, estão gravadas de forma tragicamente civilizada na época ). Cadê a bateria???
   Jimmy Page mudou isso. E essa eu não sabia. O grande impacto do Led foi como mixagem, produção, profissionalismo. Eu não sabia, mas tive o choque em 1975. Cercado até então de rock dos anos 60, senti a diferença absoluta no som do Led II. Era como sair de uma sala de concerto e entrar numa selva.
  John Paul Jones também trabalhou em estúdio na adolescência. Fazia arranjos, tocava baixo, piano. É dele o arranjo vibrante de Mellow Yellow de Donovan. E o arranjo genial de She`s a Rainbow dos Stones. Quando Page saiu dos Yardbirds e precisou de um baixista Jones se candidatou. Foi aceito na hora. Mas Jimmy diz que a grande sorte do Led foi o baterista. Se a banda é grande ela deve tudo ao baterista. O grande e inigualável John Bonham. O homem que criou, sózinho, a bateria que conhecemos desde então.
   Jimmy percebeu que para dar potência a bateria o importante era dar espaço ao instrumento. Espaço físico. Criar ambiente ao som. Desse modo, os microfones eram colocados o mais distante possível, em lugares grandes. Bonham chegou a ser gravado em salas de castelos, com os microfones nas escadarias e nos corredores. Incansável, Jimmy Page fazia o mesmo com a guitarra. Procurava sempre um novo eco, timbre, máxima potência, perfeição.
   Não vamos esquecer que os shows de rock em 1969 tinham a filosofia hippie. Tipo: Venha como estiver e vamos fazer um som. Eram shows improvisados, preguiçosos, se perdia um tempo enorme se decidindo o que tocar a seguir, os solos se perdiam em viagens sem fim. Tudo numa boa. Nesse contexto surge o Led Zeppelin quebrando esse paradigma. Profissionalismo. O show é potente, forte, decidido, objetivo, sem nada que não tenha sido planejado e ensaiado. O som tem de estar perfeito e por mais louca que tenha sido a noite anterior, todos têm de tocar bem, com competência. Esse foi o segredo, esse o novo mundo que a banda trouxe, bem vindos aos anos 70.
  A crítica caiu de pau. Principalmente a Rolling Stone. O Led vendia mais, enchia todos os shows, batia recordes, mas a imprensa só falava de Stones, Stones e Stones. O Led era tratado como moda passageira, barulho sem razão, histerismo oco. Foi a primeira banda a crescer contra a maré. De boca em boca. Entre os fãs, sem TV, revista e jornal. E se fez a maior banda dos 70 e uma das cinco maiores da história. Contra todos.
  O livro toca na paixão de Page pelo ocultismo. Alquimia sendo a união de várias coisas que dão uma terceira. É o motivo de ser impossível continuar sem Bonham. O Led era a união de Plant, Jones, Page e Bonham. Os 4 se transformavam em Led Zeppelin. Sem um deles a coisa não é mais Led Zeppelin, é Page, Jones e Plant. ( Os Stones foram realmente Stones com Brian Jones. Com Mick Taylor foram gigantes, mas eram outra coisa ). Um homem é mistura de amor, ódio, carne, alma, medo, coragem etc. Sem um desses elementos ele é outra coisa.
  Nascido em familia de boa situação social, amigo de infância de Jeff Beck, alheio as bandas de rock de sua época ( gostava só de Hendrix ), Jimmy Page é provávelmente o mais bem dotado de todos os guitarristas. Não existem duas faixas de sua banda que se pareçam. Seja em arranjo, em mixagem, no solo, sua busca sempre foi da transformção, a alquimia.
  PS: Jimmy dá uma dica para as bandas novas: misturem. Page amava Rockabilly, Jones ouvia só jazz e música erudita, Plant era do blues e Bonham escutava música negra, soul e funk. A maioria das bandas agora têm componentes em que todos ouvem as mesmas coisas. O som será sempre igual e em 4 discos a coisa fica insuportável.  Page tocava Elvis para Jones ( que pouco sabia de rock ), Bonham tocava James Brown para Page ( que nunca o tinha ouvido ) e por aí vai...