RUSSOS

   Sochi 2014 me faz pensar. E lembrar. Os americanos e seus filmes fizeram com que a gente pensasse nos russos como frios e calculistas. A KGB e Stálin ajudaram. Mas eles nunca foram assim. E não adianta fazer filme de máfia russa. Pensar que o caráter russo é esse é como achar que todo americano é John Wayne ou que todo brasileiro é bicheiro. Aprendo que eles são eslavos, nem europeus e nem asiáticos. E que o que define um eslavo é o fatalismo e o sentido familiar. Familia: se voce é bisneto de alemão, não importa onde nasça, voce é um alemão. Sua nacionalidade não é dada pelo chão onde voce pisa, mas sim pelo sangue de onde voce brotou. Fatalismo não é melancolia ou pessimismo. Também é mas é além. Fatalismo é saber que o que é sempre há de ser.
   Minha amiga Eliana Llorca me ensina que no mundo só existem duas línguas que vivem essa mania do diminutivo: o português, com suas mãezinhas, barquinhos e Paulinhos, e o russo, que se trata por irmãozinho, patriazinha e amorzinho.
   Houve um tempo em que eu amava a Rússia. Tempo frio ( que saudade do inverno! ), em que Dostoievski e Pushkin me pareciam mais próximos que Machado ou Lima Barreto. Mas tinha mais, tinha Rimsky-Korsakoff, Tchaikovsky e Prokofiev. ( Tolstoi só descobri adulto ). Tinha a bio de Tchaikovsky de Ken Russell ( uma visão inglesa sobre a Rússia ). Eu amava o fatalismo russo, o frio escuro, o exagero da dor. Um russo não sofre, ele uiva, um russo não ama, padece de amor. Mas a ideologia estragou tudo. Os comunistas, logo descobri, eram tão fanáticos que tratavam a Rússia como o Eden na Terra. A Rússia virou uma máquina, um relógio perfeito. O povo era soldado. Esqueci da velha mãezinha russa.
  Russas, as meninas russas, são especiais. Porque são tristes e submissas como as mamães de 1900, são duras como as operárias de 1920 e tentam ser modernas como as americanas de 1980. São russas, variam entre a camponesa e a estrela do Bolshoi.
  Planícies imensas onde o gelo e a lama se confundem. Um passado.