O CEPTICISMO ( ASSIM, COM P )

   Cresci como cético. E essa descrença foi tâo forte que marcou meu rosto. Minha face é cética, minha expressão transparece ironia. Tenho enormes dificuldades em convencer mulheres de meu amor.
    Jamais acreditei em Papai Noel. E com oito anos já desconfiava da alma ou da existência do céu. Cresci, e na adolescência eu não acreditava na vida. Tudo acabava em morte e então nada tinha valor. Pra que isso se tudo termina em nada? Passei vinte anos nessa absoluta certeza.
    Mas eu sobrevivi, porque para viver precisamos de ajuda. Usei a arte. Sentia orgulho de meu niilismo. Acreditava em heróis. Homens que viveram em calmo desespero, esses eram meus heróis. Gauguin, Picasso, Heminguay, Tolstoi...músicos de jazz...
    Ao ficar mais adulto comecei a procurar teorias que me fizessem entender a vida. Budismo ( a corrente de reencarnações explica tudo! ), Freud ( o instinto sexual explica a vida ! ), Darwin ( somos bichos e a biologia é nossa sina! ), Jung ( tudo é tão complicado que nada podemos saber )... Mas, cético ao extremo, logo percebia que todos eles dependiam de fé, fé que nunca tive. Voce precisava jogar fora a dúvida e acreditar num sistema arbitrário. Como? Crer em reencarnação é como fazer uma aposta. Nada pode provar seu resultado. Crer no Édipo de Freud é ignorar que nosso instinto básico é a fome. O bebê ama a mãe porque ela tem seios cheios de leite. O pai não. Isso é tão óbvio! Darwin nos obriga a acreditar num poder de transformação que chega ao ponto da magia. E Jung não consegue consolar ninguém porque ele próprio se perde em dúvidas. ( Na verdade Jung é o anti-Freud. Um era tão neurótico que via em tudo o horror do sexo, o outro era tão doido que via  na vida alucinações ).
   No meu extremo ceticismo eu duvidava. Só podia aceitar aquilo que eu-mesmo vivenciara, ou seja, quase nada. Então, quando me deparei com a morte, momento que tudo define e desnuda sua cara, algo aconteceu. Passei a desacreditar de minha própria descrença. Cheguei ao paradoxo: Cético em relação aos céticos.
   Se nada há para se crer, e mesmo assim tudo continua a ser inexplicável, então tudo pode ser válido, tudo pode ser verdade. Acho que foi Bergson que formulou isso: Ou voce descrê de tudo ( e nesse tudo entra até a ciência e a razão ), ou voce crê em tudo ( e nesse tudo entra a ciência e a magia ). O meio termo é sempre tolice, abrir um olho e fechar o outro, tatear.
   Hoje não posso dizer que creio em tudo. Mas a princípio nada condeno. Minha vivência e minha inteligência são limitadas, o que posso pretender saber?
    A única certeza que tenho é a de que ninguém sabe coisa alguma sobre as questões mais importantes. O que conhecemos é aquilo que cabe em nossa pequena e assustada mente. Vemos, sentimos, e pouco compreendemos. Respeito então os darwinistas, freudianos, junguianos, budistas ou ateus radicais. Todos precisam de algum sistema, de algum tipo de explicação PARA AQUILO QUE OS ATERRORIZA. Todos precisam negar o que os assusta e crer naquilo que os consola. Como eu.
   Na pequenez redutora diante da imensa verdade da morte, eu me vi como sou e entendi o porque da necessidade da humildade. Saber que nada se sabe e se deixar nas mãos da vida.
   PS: Claro que continuo aqui divagando sobre meus conhecimentos de cinema, livros, quadros, filosofias, poesia e coisas assim. Sei um pouco dessas coisas. Mas tenho a consciência de que tudo isso é apenas brincadeira, coisas de criança, sonhos ou ilusões bacanas. A vida, a verdade, o estar-aqui e o estar-sempre são coisas bem além de tudo isso.