JOÃO PEREIRA COUTINHO E O MAL ( HITCHCOCK )

    João Pereira Coutinho escreve na Folha sobre o fascínio da obra-prima Os Pássaros de Hitchcock. Conta que por mais que críticos e psicólogos, filósofos e cinéfilos tenham discutido o filme, nunca ninguém conseguiu dar uma razão para a agressão das aves. Porque elas se tornam más? Coutinho aproveita para escrever sobre o mal. Hitchcock não dá pista alguma, ou melhor, afirma que o mal não tem motivos.
   Seja o "anjo negro", a sombra mal aceita, a pulsão de morte ou o equilíbrio Divino, todas essas pseudo-explicações para o mal nada explicam. São apenas nomes, e como todo nome, é arbitrário. São modos de se tentar pacificar aquilo que nos angustia, a inexplicável ocorrência da maldade. O mal acontece, nasce, domina e se vai. Porque? Matar como vingança não é O Mal, o Mal é matar sem motivo. Atacar sem provocação, e é isso que acontece no filme.
   Coutinho não resiste a dar a explicação mais usada, a de que os pássaros simbolizam a maldade feminina. Hitch, que temia as mulheres, faz deles arautos da mulher ( Tippi Hedren ) que chega a ilha do filme. Mas Coutinho mostra o quanto essa tese é arbitrária, depende de se desejar aceitá-la, ou não.
   Esse o segredo da modernidade eterna de Hitch, do fato dele ser o mais visto dos diretores clássicos. Ele nada explica, não dá motivos. Todos os personagens são neuróticos, todos agem de forma doida, mas nada tem explicação. Ele evita a ciência, evita toda cena explícita. Nada de gente lavando as mãos até sangrar, nada de drogas ou alcóol, o mal surge em meio a normalidade, a rotina é aparentemente normal, mas o mal, O Mal inexplicável sempre está lá, dando sua cor sombria a cada ato.
   Os Pássaros é considerado um Hitch de segundo nível. Não acho. Ele é tão grande quanto Vertigo ou Janela Indiscreta, tão divertido quanto Intriga Internacional ou Os 39 Degraus. Hitchcock é o maior dos mestres por conseguir unir, em doses iguais, a diversão Pop e a alta arte. Agrada ao povão e aos metidos.
   Mais um bom texto de Coutinho.