SOBRE O MELHOR FILME ( E A CONDIÇÃO DA ARTE HOJE )

   A principal característica da arte moderna é seu caráter desmistificador. Em 1850 se desmistificava a familia e o dinheiro. Em 1900 a religião e o poder. Em 1930 o sexo e a razão. A arte moderna teve sua função: liberar a criatividade. Pagou um preço: desmistificou e vulgarizou a própria arte. Como bem disse Benjamin, perdeu a aura. Tornou-se uma atividade industrial, como fazer remédios ou carros.
   Pessoas ingênuas, ou que começam a conhecer arte moderna somente agora, pensam que tudo se iniciou em 1990 ou 1980 ( começou com Byron em 1800 ), acham que a imagem de um padre de lingerie comendo um menino, ou uma vagina em close com giletes ao redor, ou mãos sendo trucidadas por formigas, seja o máximo do moderno. Não sabem que são meros símbolos de sintomas espirituais. A arte se tornou campo favorável a todo tipo de cínico ou de desajustado radical. Saiba, todo artista é um desajustado, mas nem todo desajustado é artista.
   O cinema em cem anos viveu como num flash toda a história dos mais de 3000 anos de arte. Tivemos o privitivismo, o gótico, clássicos, romantismo, renascença, românticos e realistas. Tivemos expressionistas e cubistas, naturalismo e abstratos. Agora vivemos o niilismo absoluto. A ironia deixou de ser inteligência construtiva e passou a ser um fim em si-mesma.  Pensar no futuro deveria ser reconstruir e não continuar a destruir aquilo que já é ruína. Mais filmes sobre heróis desesperados, mais filmes sobre mocinhas suicidas, mais filmes sobre taras mentais....tudo isso é pisar sobre pegadas velhas, pintar de novo verniz o que já foi repintado milhares de vezes. A nova arte deve se ocupar de criar e revigorar, nunca de explodir. Tudo já explodiu a muito tempo atrás.
   Os filmes têm se ocupado, faz décadas, de destruir mitos. No começo isso foi ótimo. Era ótimo poder ver um western com um cowboy drogado, ou um romance em que a mocinha era lésbica. Nos dava um sopro de novidade e a liberdade de poder satirizar. O que vale isso agora?
   Mais um filme sobre freiras taradas, mais um filme sobre um vampiro impotente, mais contos de fada irônicos, mais sangue, explosões e amputações. Com Sam Peckimpah havia um sentido anarquista para a explicitação da violência. E agora? Apenas ato mecãnico. Mais do mesmo. Como é mais do mesmo mais um filme de arte com casais que se mordem, adolescentes que se drogam ou vovôs taradinhos. Imagens de crucifixos com sangue, masturbação explícita ou diálogos sobre o vazio...Onde a novidade? É chocante? Para quem? Traz novas ideias? Quais?
   Quando BRANCA DE NEVE derrama uma lágrima ao fim do filme a coisa pega. Um milhão de sentidos e sentimentos revivem. O que?
   Matamos a beleza. Ao vender beijos da bela mocinha e transformar sua maldição em freak-show o filme consegue explicitar o mal de toda arte moderna. Sim relativista, existe um mal na arte moderna. A dessacralização da beleza e do espírito trouxe de troco nossa incapacidade de apreciar e de perceber o sagrado e o belo. Branca jamais irá acordar e é isso que nos comove no fim do filme. Não é mais possível a existência de um príncipe que a desperte e pior que tudo, ela sabe disso. Em 2013 sua maldição será para sempre. O príncipe não virá porque esse príncipe iria rir de sua própria condição, ele não iria crer em Branca, seria um homem cool e homens cool não dão beijos para despertar alguém.
   Desconheço um filme feito de 2000 para cá com tão urgente mensagem. Nada nele é cool, nada nele é chocante. Não há espetáculo, inexiste a ironia. Ele é sério, forte e dolorido, e ao mesmo tempo tem uma simplicidade infantil.
   A Terra foi arrasada séculos atrás.
   Não seria a hora de despertar?