O VENTO NOS SALGUEIROS- KENNETH GRAHAME, O LUGAR DA FELICIDADE

   Em seu ótimo livro, OS LIVROS E OS DIAS, relato em que Alberto Manguel fala dos doze livros escolhidos para simbolizar os doze meses do ano, O Vento Nos Salgueiros é colocado às alturas. 
   Finalmente encontro esse livro em edição nacional. Traduzido por Ivan Ângelo, editora Richmond, este livro é para as crianças anglo-saxãs aquilo que O Sitio do Pica-Pau Amarelo era para nós. Lugar de encontro, romance de formação, canto sobre o que seja ser criança, encanto e liberdade. A diferença é que os valores do livro de Monteiro Lobato remetem a familia, o livro de Grahame fala do maior dos valores vitorianos: a casa, o canto, o lar. Escrito em 1904, na era que nos deu o Peter Pan de Barrie, o que as aventuras de O vento podem dizer a um adulto de 2013? Segundo Manguel, uma magia de paz e de conforto. A obra tem um apelo irresistível, ela nos mostra aquilo que mais precisamos ter: proteção. 
   O livro é maravilhoso. Fala de uma Toupeira que resolve sair da toca e ver o mundo. O mundo, diga-se, de uma Toupeira, mundo bem curto e pequeno. Ela encontra o Rato D'Água e logo são amigos. Nesse encontro ficamos sabendo da casa onde vive o Rato. E então percebemos do que trata o texto. Da doçura do lar. De lareiras quentes e de de sofás macios. Das janelas e das portas. E da amizade entre seres comuns, banais até. Não há um herói. São seres com medo, com curiosidade e que têm o dom dos animais: sabem sentir as coisas. Esses lares são escolhidos por seu cheiro. 
   Momento de maestria ( e de simplicidade ) se sucedem. Há a tempestade de neve que surpreende os amigos. A casa do Texugo é encontrada e podemos sentir o alivio dos dois ao entrar na casa quente e tomar a sopa farta na mesa da sala. Um outro momento, esse tão forte em magia como aquele do lago em O LAGO SAGRADO de Atwood, acontece quando um filhote de Lontra é resgatado no bosque. Nessa busca o Toupeira entra em transe e é guiado por Pan, o deus grego da floresta. É um capitulo maravilhosamente bem escrito, deliramos no delirio do Toupeira,  páginas que nos fazem ansiar por mais cenas como essa. Pena, elas não surgem. 
   O final do livro traz as aventuras do Sapo, um aventureiro milionário, hedonista, viciado em carros, gastador. Confesso que é um personagem "menos bom". Não gostei do Sapo como adorei o Toupeira, O Texugo e o Rato. 
   Kenneth Grahame criou os personagens e suas aventuras de improviso, inventando tudo no quarto do filho, tentando fazê-lo dormir. Lançando esse material em livro, três anos mais tarde, O Vento Nos Salgueiros se tornou rapidamente um ícone da literatura infantil inglesa. Surgido na hora certa e no lugar certo, o livro faz parte do movimento que valorizou a infância e o lar, o conforto e a segurança na mente inglesa. De Alice à Peter Pan, de Roger Rabbit à Mogli, este é o momento chave das letras para crianças.
   Grahame descreve o lar do Rato pronto para o inverno. Comida, ordem, paz, quietude. Concordo com Manguel. Kenneth Grahame era um mestre na descrição do que seja o bem-estar. 
   Ler este livro é um grande "bem-estar".