A ILUSTRE CASA DE RAMIRES- EÇA DE QUEIRÓS. O ACHAMENTO DA RAIZ.

   Portugal é uma tribo. Se voce quer entender o país deve ter isso em mente. O modo de pensar é o do clã e da tribo. Tudo é baseado em sentimento, naquilo que se vê e não no que se deveria ver. Portugal até tenta ser moderno. Crescer, pensar em termos de futuro, crer na produção sem fim, ser mais agressivo, competir. Mas não consegue e não quer. Os valores da tribo ainda são fortes. Ele crê no insubstancial. Preserva o costume. Sente. 
   Hans Magnus Enzensberger diz que num mundo mais humano Portugal seria protagonista. A nação se guia pelo coração e nunca pelo cérebro. Este livro de Eça, mais uma obra-prima desse gênio imenso, mostra isso com uma facilidade e uma fluidez que só o talento pode. Gonçalo, o nobre fidalgo do livro, membro de uma familia de mais de 1000 anos, não consegue ser altivo, orgulhoso, intocável como seu sangue pediria. Ele exita sempre. Lhe falta decisão, sangue frio, cérebro. Desce do cavalo para ajudar pobres, deixa-se dominar pelos empregados, chora com crianças doentes. E ama com paixão seus nobres antepassados, os cavaleiros em suas guerras medievais. Sonha com esse mundo de nobreza. Sofre com a vida moderna. Não tem lugar.
   Northop Frye dizia que existiam romances e estórias romanescas. O romance se veria preso a veracidade. O autor é dominado pelos personagens. Já o romanesco dá curso a criatividade do autor. Os personagens são tipos arquetipicos, símbolos. O que pauta o livro é a potência criadora. Eça consegue unir os dois mundos aqui. Os personagens, muitos, são símbolos e são "de carne e osso"; são reais e possuem a leveza do romanesco. Harold Bloom diz que Eça une Balzac a Stevenson. Bingo!
   Não pense ser este um drama! Há humor em cada linha. Eça, já em sua fase madura, encontrava a alegria. Casado, fazia as pazes com sua raiz. Começava a aceitar Portugal em si. Deixava a França de lado. O livro, passado entre os fidalgos, tem a todo momento a súbita presença de gente simples, pobre, comum. São os Manueis, os Josés, as Marias, povo aparentemente duro, forte, bravo, mas que se desmancha em lágrimas a qualquer momento. 
   Críticos marxistas tendem a não querer perceber que um autor é muito melhor explicado por sua vida intima, por aquilo que ele amou e por aquilo que ele leu, que pelas convulsões sociais. Óbvio que uma guerra muda toda uma vida, mas muito do que um escritor faz se deve àquilo que ele leu. Sua luta contra as suas influências. Eça amava Balzac. Mas ele jamais poderia escrever como o francês. Pois em sua lista entrava também Stevenson, Stendhal e Flaubert. Essa mistura ajuntada a sua biografia individual, filho rejeitado não-natural de familia rica, fez dele o que seus livros mostram. Um homem que caminhou do ceticismo amargo do Primo Basilio à paz serena de A Cidade e as Serras. Ele reencontrou Portugal. Sua raiz.
   Este livro, saga de um fidalgo tradicional, suas trapalhadas, sua falta de racionalidade, é um monumento.