Cheirava a chocolate. O bairro era a fábrica da Kopenhagen. As seis da manhã o perfume doce e hipnotizador invadia tudo. E eu andava de mãos dadas com meu pai. Ele tinha um bar na esquina da Bandeira Paulista com a Tabapuã. Esse primeiro Itaim que conheci era assim: da João Cachoeira pra cima era comercial, para baixo residencial. Um comércio de casas pequenas e de muitos bares diurnos. No fim da tarde o movimento morria. O Joakin já existia e ele era a alma exemplo dessa parte do bairro. Todos os comerciantes se conheciam, tudo tinha um jeitão de clube.
O cinema Lumiére era mais bonito. As calçadas não tinham buracos e nem se sonhava com um assalto. O Itaim, como o Brooklyn, era uma esquina da cidade. Não era caminho para o centro, não tinha uma grande avenida, só ia para lá quem vivia ou trabalhava ali. No fim da tarde, quando voltava de taxi com meu pai, eu via a parte residencial. Sobrados cheios de gramados e de árvores, meninos de bicicleta na rua, portas abertas. O carro rodava pelas ruas quietas. Esse primeiro Itaim que conheci era uma vila pacata.
Quando meu pai vendeu o bar e mudou-se para Pinheiros perdi o bairro por dez anos. Quando voltei tudo era outra coisa. O Itaim deixara de ser vila e agora era bairro de classe média. Ainda com poucos prédios, o trânsito já era um caos. Surf shops, o Itaim era bairro de surfistas. Uma comunidade de pegadores de onda vivia por lá. Nas tardes de sol ainda se tinha um espírito relax nas calçadas com sucos. Foi o tempo da Joyce Ballet, da madeireira na João Cachoeira e do Mappin. Uma favela imensa existia na JK, sim, a JK era uma favela que ia da esquina com a Clodomiro Amazonas até a marginal. A JK havia sido um rio e a favela começara nos anos 70. Em 1982 ela estava no auge. Mas se andava na rua de madrugada. Na Horácio Lafer se jogava bola no asfalto. Até amanhecer. Voce andava pelas ruas de manhã e ouvia rock pelas janelas dos quartos. Também sentia um odor da Jamaica no ar...
Isso todo foi violentamente destruído quando abriram a Nova Faria Lima. Falar sobre esse terceiro Itaim é perder tempo. A cidade absorveu o bairro e ele se fez parte do todo e não mais um ser à parte. O Itaim é agora como Moema ou Vila Nova Conceição, ou Jardim qualquer coisa. Uma confusão mal planejada de prédios, ruas, calçadas estreitas e restaurantes que lutam para não morrer. Tornou-se um bairro todo voltado para o ato de se gastar muito dinheiro. Impossível andar por suas ruas. Flanar. O bairro que conheci convidava a preguiça e a longa conversa. O de agora nos dá pressa.
Os donos das lojas se encontravam no bar do meu pai e ficavam a tarde toda "perdendo tempo". Olhavam as mulheres na rua, riam de piadas, pediam mais um café. Penduravam a conta. Se tratavam por apelidos. Se conheciam. Iam ficando.
Hoje eles andam correndo, em carros grandes, de cara fechada, pedindo para que o vizinho "se foda". Puff....Nem sei pra que escrevi sobre o Itaim. Ele não existe mais. De todos os bairros de SP, nenhum foi mais destruído, enterrado e esquecido. Foi-se.