AS SOBRAS DO PORÃO

Ela estava na chuva sem saber se cruzava a rua. Olhava fixamente. Depois me seguiu até em casa. E eu na dúvida se deixava ela entrar na minha vida. Entrou.
Todo dia Henrique aparece na escola. Sem caderno nem nada ele vem pra comer e tomar banho. O cara já roubou um monte de gente. E está sempre rindo.
Ela aparece agora e noto que engordou. Vive entre lá e cá, sem familia e nem nada. Prestes a ir pra rua. E com um filho que não é como ter uma familia. Eu gosto do corpo dela. E ela enlouquece com seus planos doidos de ficar rica.
Ele diz que é gay mas namora uma menina bonita. Eu sei que ele é gay mas ele fala que é bi. E conta que começou aos dez anos. Com uma menina de 13. Mas ao mesmo tempo ele fazia ballet para estar no meio.
Ela nunca assiste aula e não gosta de ler. Mas mesmo assim fala de livros pra ver como é. Ela não tem dinheiro mas vive indo pra NY. E o tempo todo fica cantando uma frase dos Stones.
Fabio toca numa banda de blues e tem um filho de um casamento antigo. Ele fala da paz e tá sempre agressivo. O tempo escoou e seu baixo é o melhor. Percorre uma estrada longa que vai de lá pra cá. Sem fim.
Mas eu fico brilhando quando vejo os olhos dela que são cor de água. Os pés de dedos finos e o cabelo é uma bagunça. Ela é delicada e grande e uma mistura sem sentido. As roupas são só dela.
Outra tem calça rasgada. E anda aos pulos como se fosse um carneirinho. Tudo nela parece rasgado. Vive na casa de um amigo e de outro amigo e de outro e de outro...E finge gozar na escada.
Fernando cada vez mais se parece com o Grande Lebowski. Então devo dizer que ele conseguiu o que eu queria.
Caraca Velho! Da Bahia pra SP é uma longa viagem! Morando um pouco em cada vila do caminho ( só nas vilas ). Uma longa mudança!
Ela vende droga e parece ser tão bacana. O trabalho não faz o homem, né não? Eu adoro o modo como ela usa os peitos. Tem uma bomba dentro do corpo.
Um encontro num bar terminou numa ida à igreja. Uma dúzia de mulheres o deixam vazio. Ele não é Deus, mas tudo nele são linhas tortas. Cadê meu Big Pink?
Sabrina foi comida pelo namorado na frente da irmã. E pra deixar tudo ok ela aproveitou para dar um trato na irmã também. O que dá vontade a gente faz. Pega e leva. Ela é assim.
Aquela menina é a alegria da rapaziada. De repente ela cresceu. Um dia ela me mostrou sua tattoo. Pra ouvir sua voz encosta a boca no meu ouvido.
Meu amigo veio do centro do Nada. E casado cinco vezes descobiu a alma. Ele tem a certeza de que é negro como Marley. Mas seu pai era espanhol e a mãe italiana.
Molecada do rugby, molecada do funk, molecada do banheiro.
Tijolo a tijolo eu fiz uma torre de cristal. Olho a vida lá embaixo. Sobe aqui menina dos olhos de água. Me mostra de novo seus pés.
Dirigindo parado deu pra ouvir todo o disco.
Sami começou com uma briga. Então foi fazer pintura e descobriu Sinatra. Pulou o muro e foi com um amigo. Por um quarto. Agora ela faz hora na casa de uma amiga. E recolhe cachorros da rua.
Mi era a mais nerd das nerds. Mas escutou um som e foi pro fim do mundo. Montou uma banda no sertão da Paraíba. Todos de preto ela me pede novidades de Patti Smith.
Parada na chuva ela não sabia nada. Eu até pensei em ignorar, mas não. Hoje ela deixa minha mãe louca.
Minha torre de cristal é onde espero encontrar Deus. Enquanto isso olho e canto pra voce, olhos de água. Sobe aqui e vamos esperar juntos.
( Uma modesta saga ao estilo The Basement Tapes, quem escutou entendeu. É o único disco que se compara a Exile em riqueza. )