DJANGO E TARANTINO E OS CINEMAS DE BAIRRO

   Bastardos Inglórios foi um filme italiano barato. Django foi um western italiano barato. E de grande sucesso. A trilha sonora, feita por Luis Bacalov, tem aquela melodia de guitarra e vozes que são a marca registrada desse tipo de fita. A cidade onde tudo se passa é pobre e fake: lama e barracos. O herói carrega um caixão, fala quase nada, e mata trinta bandidos com dois ou três tiros. Nada aqui é real. Os críticos da época ( 1966 ) odiaram o filme porque tudo nele é vazio ( aparentemente ). 1966 era o tempo auge do cinema dito moderno. Bergman, Fellini e Buñuel. Mensagem, desconstrução e simbolismo. Mas 1966 era também o tempo da pop-art, e assim como James Bond, Django era POP. 
    Se numa tela POP, Leonardo da Vinci está colado ao lado de um maço de Marlboro e de uma pin-up da Playboy, aqui temos um western que é feito na Espanha com atores italianos e um jeitão de filme de samurai de Kurosawa. Tudo vale. Tudo se mistura. Os atores têm cara de Giuseppe e não de James ou Joe. A trilha é rock com ópera. Os duelos são de HQ. Os diálogos lembram textos de comerciais de TV.  O herói é um Eastwood mais infantil. O filme é uma obra POP. Tem tudo a ver com Tarantino portanto.
   Não pense que é um grande filme. Seu objetivo era agradar o povão. E o povão amou esse filme. Na época em que não havia vhs, havia o filme-povão, que passava em salas de bairro, mais baratas. Nessas salas passavam os filmes que hoje iriam direto para dvd; filmes de karatê, pornochanchadas, comédias italianas, filmes de terror, e westerns spaguettis. Tarantino e os diretores POP vivem nesse mundo. Fosse brasileiro ele citaria ainda Os Trapalhões e Zé do Caixão. Frequentei muito essas salas. Na Fradique Coutinho eu via filmes eróticos italianos, no Largo de Pinheiros filmes de catástrofe e de terror, na Lacerda Franco vi aventuras espaciais e filmes de rock ( essas 3 salas de rua em Pinheiros ), na Vila Sônia eu via pornochanchadas brasileiras ( delicias com Helena Ramos e Aldine Muller ), no Itaim westerns spaguettis com Giuliano Gemma e Lee Van Cleef, em Santo Amaro os filmes de karatê. Ingessos a preço de ônibus. Uma maravilhosa salada POP. Pois na Paulista tinha Woody Allen, Hal Ashby, Robert Altman, Truffaut, Pasolini e Spielberg. Astor, Bristol, Gemini, Belas Artes e Paramount. EMBALOS DE SÁBADO À NOITE com SÉRPICO.
    Gosto de pensar que Quentin fez o mesmo que eu fazia. Ao mesmo tempo. ( Somos da mesma idade ). Gosto de imaginar que existe uma galerinha hoje que une, em seus dvds, Groucho Marx com Joel Coen, Bresson com Stephen Chow, Howard Hawks com Wall.E. O POP de se ler Peanuts e Kierkegaard. O sublime de Bugs Bunny e Ozu. Com a internet o POP pode ser Trans-POP. Esse é o cinema que vai sobreviver.