O RIDÍCULO DA ARISTOCRACIA HOJE ( E A FALTA QUE ELA PODERÁ FAZER )

   Converso com uma nova amiga, professora de filosofia. Esperava dela a mediocridade de um monte de dogmas, mas não. A definição de seu discurso é não possuir nada de definitivo.
   É levemente cômico, pra não dizer ridiculo, ser aristocrata hoje em dia. Guiar-se por valor e não por popularidade é sempre mal aceito. E por aí vai a conversa.
   Na Rede Globo, às 21 horas de sexta-feira, era exibido um programa que trazia óperas de Wagner e sinfonias de Beethoven. Veja bem, na Globo. Porque? Porque apenas meia dúzia de privilegiados viam TV? Não, a TV já atingia 80% da população. Porque a Globo era lider sem concorrência? Não, havia a Tupi e a Record. O motivo era que o público consumidor, que pagava o anunciante, era composto de uma "elite" que queria assistir Wagner na TV. Ser um aristocrata é pagar o mico de sentir saudades desse elitismo.
   O mesmo no cinema. Se um sucesso de bilheteria ainda podia ser cantado e dançado, se Bergman era pop, isso se devia ao fato de que era uma aristocracia intelectual que dominava as páginas culturais. O cinema tinha Trapalhões e filmes policiais de Charles Bronson, mas Kurosawa e Fellini causavam uma ressonância nem sonhada por Cronenberg ou Lynch. Porque apenas uma elite mandava em revistas e jornais culturais.
   Hoje a TV Globo ( e NatGeo, Sony, Fox ) precisa agradar uma imensa massa consumidora de seus anunciantes. Os jornais precisam tratar Batman ou Prometheus como arte, porque para o novo consumidor, eles são aquilo que ele pensa ser arte. É o povinho que vai no Masp ver Caravaggio e acaba por babar no Renoir.
   Se antes as letras das músicas eram mais sofisticadas e se Hesse ou Huxley eram best-seller, isso se devia ao fato de que só aristocratas liam e compravam LPs. Na atual democracia a massa lê. A literatura e a música servem seus paladares.
   Democracia é uma coisa complicada. Voce pega todo mundo e os une pelo mínimo denominador comum. Daí o fato de que nunca mais teremos nada de aristocrático. A língua do mundo tornou-se a língua da massa iletrada. E como essa massa tem mais filhos, a coisa tende a piorar.
   Mas eu vivi na ausência de democracia, e odiei ser comandado de forma explícita. Eu quero ler o que quiser, falar o que desejar e escolher o que me apetecer. Churchill dizia que a democracia era cheia de falhas, mas era o sistema menos ruim. Não nos esqueçamos de que no mundo de Stalin ballet era pop e em Praga tudo era preservado. Mas quem quer a volta de Stalin e da bota comunista sobre os tchecos?
  Daí a encruzilhada do espirito aristocrático. Odiar a extrema vulgaridade do mundo atual e jamais desejar a volta daquilo que já morreu tarde.
  Saudosismo. Causa espanto ao nobre que a palavra saudosismo seja hoje um palavrão. Aristocratas amam tudo o que é velho, amarelado pelo tempo. Seu inimigo é o novidadeiro, aquele que só vê e ouve aquilo que acabou de sair. O aristocrata está sempre atrás das raízes, do pedigree, dos ancestrais. Se Jack White tem Son House como mestre, ouçamos Son House. Se Almodovar ama Douglas Sirk, vejamos Sirk. É o estilo Debret de todo aristocrata. Só confiar no que é novo após seu envelhecimento em barris de carvalho. ( Debret é o imenso alfarrábio britãnico que traz toda a genealogia das familias de sangue azul ).
   Mas toda essa conversa é absolutamente inutil. E cômica em sua altivez ridicula. Pois lentamente até os pretensos aristocratas dão o braço a torcer e se pegam cantando Beyoncé e vendo filmes de Jason Statham. A ditadura, sedutora-suave-insistente, do anti-aristocrático, do novo, da arte sem aura, acaba por vencer, por baixar as resistências, por domar.
   Ainda virá um tempo em que Michael Bay será chamado de grande cineasta e Paulo Coelho de grande autor.