A FILOSOFIA PERENE- ALDOUS HUXLEY

Um desses ateus militantes ( ateu militante é uma vergonha para um ex-ateu verdadeiro. A beleza do ateísmo está na indiferença individualista às coisas da religião. Militar dentro do tema é fazer parte dele, falar sobre aquilo que não se quer fazer parte ), mas como ia dizendo, esse ateu superstar diz que o que motiva todo religioso é o medo de morrer. Aí está o que acabei de falar. O cara se mete a falar sobre aquilo que não sabe e solta um chute no vazio. O auge de meu medo de morrer foi entre meus 15/20 anos. E foi ao mesmo tempo minha época mais descrente. Eu sentia pavor de morrer e odiava toda forma de religião. Via em todas uma forma de consolo para fracos. E só. Para mim, islamismo, gnosticismo ou hinduísmo eram iguais. Assim como eu não conseguia perceber que igreja e religião são tão diferentes como são rimas e poesia. A igreja se move na matéria, no comunitário e no comum, a religião é inefável, individual e original.
Ando tentando terminar A FILOSOFIA PERENE, de Aldous Huxley. É dificil. Há uma profusão de informação, de nomes, de citações. Huxley passeia pelos sufis, pelos católicos do inicio da idade média, pelos profetas menos conhecidos. E de começo ele já fala o que intuitivamente eu sempre soube: Nada é mais anti-religioso que a igreja. Qualquer igreja. Porque a verdadeira experiência religiosa é individual, não pode obedecer a ritual ou a leis exteriores a própria experiência. Mais que isso, para se viver essa experiência é preciso ter sentido de forma profunda a inadequação, o não-conformismo e a ânsia pelo "algo a mais". Huxley fala então do Eu, e isso encontra mais uma de minhas certezas, a de que toda infelicidade nasce da hiper-valorização do eu. O objetivo final de toda vida religiosa é a destruição do eu. Pois detrás dessa cortina enganosa vive aquilo que nos é mais precioso, verdadeiro e forte, o não-eu, o sem-nome, o inenarrável. A vida que é eterna por não ser eu.
Como dizer então que a motivação da religião é o medo da morte se seu objetivo e seu único pensamento é exatamente a morte do eu? Enquanto materialistas se distraem com bebidas, sexo e ciência, enquanto se envaidecem com sua razão, suas respostas óbvias e sua "coragem", o verdadeiro religioso se obriga a encarar o vazio, o nada, a destruição do ego. Onde o conto da carochinha?
Por favor, não pensem que sou um religioso. Se fosse não estaria aqui exibindo minha tese. Há vaidade no que falo e isso coloca por terra minha espiritualidade. Adoro dinheiro, sexo e gosto de beber. Mas ao menos tenho a humildade de admitir que pouco sei sobre a experiência de São João da Cruz ou de Rumi.
Hippies adoravam Aldous Huxley. Assim como amavam Hesse. Os dois, quando mal entendidos, pareciam dar um aval para um tipo de espiritualidade fácil. Uma espiritualidade "numa boa", individualista sem solidão e criativa sem riscos. Dava pra ler Sidarta e cair no mundo do sexo e drogas como se o barato fosse parte de uma auto descoberta. Para alguns poucos foi. Mas isso descambou num tipo de nova igreja. A igreja da religião util.
Hesse se perdeu mais que Huxley e o inglês escrevia melhor. Na visão de Hesse sempre há o âmago do romantismo alemão. Em Huxley o gosto de século XX é mais forte.
Por um breve milionésimo de segundo eu um dia pude quase ver. Senti o não-eu e pude me livrar de todo peso. Êxtase ou transcendência, palavra não há pra falar daquilo que não foi criado por palavras e por discursos. Não há como esperar uma mensagem ou um sermão tirados dessa visão. É a intimidade solitária de cada um perante o todo do universo.
Nesse centro do ser tudo é silêncio.