O SAPO NA RUA E A COBRA QUE NUNCA FOI COBRA NA QUADRA ( ELA É UM ANFIBIO )

   A rua tem trãnsito e tem asfalto e casas e prédios. E quando são cinco horas, seis, os carros passam e a molecada corre e grita de vida. E eu fico vendo.
   Mas eu juro, e tenho seis testemunhas, que ontem, 2012, um gordo sapo marrom cruzou a rua em meio aos carros e foi se colocar ao lado de uma árvore. Sem poder pensar, a gente foi até o sapo e pegou ele. Botamos o sapo no jardim em meio ao mato. E isso me fez pensar.
   A quadra da escola é uma quadra como é toda quadra da escola. E no canto tem o jardim do sapo. Então os alunos começam a gritar e eu e a professora vamos ver o que tem pra se gritar tanto. No meio da quadra tem um bicho cor de gente sem melanina. Uma cobra curta que não é cobra e que todo mundo chama de cobra-cega. Ela se fica sobre o cimento. Pegamos ela e a deixamos no jardim. A cobra que nunca foi cobra faz o que ela adora fazer. Mergulha na terra e desaparece. E isso me faz pensar.
   Este bairro, que é o bairro onde nasci, era um vazio cheio de coisas. E elas vinham todas da terra. Era cobra, cega ou de verdade e cupim. Era sapo e rã e nascentes e mamona. pàssaros. Penso que essa terra morou em minha cabeça e pede às vezes pra que eu lembre de voltar a deixar morar. Como fala Manoel de Barros, um menino me inventou. E pra mim um lugar me construiu.
   Nossa cabeça tem um espaço e se a gente lota esse espaço de razão e de coisas pra fazer não sobra espaço pra mais nada. De vez em sempre é bom jogar coisas fora e ver o sapo surgir sobre o asfalto e a cobra na quadra de cimento. Isso tudo eu chamo de milagre, de beleza e de poesia.
   Se eu cavo brota minha alma. Que não é minha, eu sou invenção dela.
   Saudade do sapo.